Quando paro, olho e contemplo

Fazer missão é muito mais do que o que nos propomos a trabalhar com as comunidades. É viver na comunidade e com a comunidade. É aprender sobre a felicidade com cada pessoa que se cruza no nosso caminho.

Há uns tempos escrevia este trecho para a minha família:

“Escrevo esta carta sentada numa casa em construção abandonada, no alto de uma montanha, em que posso observar um mar infindável, a ponta mais a sul da ilha de São Tomé, o incrível Ilhéu das Rolas ou a imensidão do Parque Natural Obô¹, onde mais não se vê do que natureza, mar e céu.”

Esta é a maravilhosa terra que me acolhe no maior desafio da minha vida. Uma vista incrível para onde quer que olhe. Todos os dias dou por mim a contemplar a agradecer esta Graça de fazer missão nesta antiga Roça de S. Tomé.

A beleza natural é indiscritível! Mas a minha vista preferida é a do outro lado da casa. Para a comunidade de Porto Alegre! Lá é de onde observo, do alto da montanha, as casas, os caminhos e algumas pessoas que por lá vão passando. Esta vista de cima dá-me uma perspetiva ampla e geral desta comunidade. Mas a beleza multiplica-se quando desço para regressar a casa depois de uma manhã de descanso nesta casa abandonada e passo pelo meio da comunidade, pelo caminho que faço praticamente todos os dias.

Aí observo as crianças a voltarem da creche e da escola, os rapazes a jogarem futebol no relvado, os mais velhos a beberem Rosema² no Fidel³, o Sr. Inocêncio sentado debaixo da fruteira a descansar depois de uma manhã no campo, a Nha Eulália sentada na sua varandinha a observar todos os que por lá passam, sempre a abrir o sorriso para responder aos que a cumprimentam. Vejo a Tima a vender refeições numa mesa de madeira montada na rua, bem como o Sr. Fatiota sentado num tronco ao lado da Chiquinha, sua mulher, numa conversa entrelaçada com o seu típico riso, único e indiscritível.

crianças, são tomé, brincar, porto alegre
futebol, porto alegre, são tomé

Enquanto desço esta rua, vou cumprimentando quem se cruza no meu caminho. Como é bom ser recebida com um sorriso na cara, uma mão estendida e uma voz doce que pergunta como vão as outras voluntárias, as minhas manas de comunidade ou um dos antigos voluntários LD que já regressou a casa há vários anos.

Assim, fui aprendendo que este é o testemunho dos Leigos para o Desenvolvimento que tanto me foram falando ao longo do ano de formação. Afinal era isto que queriam dizer quando falavam em ser parte da comunidade local. Era sentir este carinho e esta amizade pelos Leigos, “apenas” por sermos uma presença diária por aqui há cerca de 10 anos.

Descobri aqui que o meu pequeno coraçãozinho é capaz de se apaixonar mais um bocadinho todos os dias por esta terra, estas pessoas e estas histórias. Afinal há sempre espaço para mais uma criança nos nossos abraços, mais 5 minutos de conversa antes de regressarmos a casa, mais uma dança ou uma cerveja com os amigos.

Um sorriso e um bom dia chegam, mas descobri que podemos dar e receber muito mais do que isso.

Diana Peixoto
São Tomé e Príncipe, 2021-2022

 

¹ Parque Obô é uma área protegida de floresta que cobre uma percentagem significativa da área total da ilha de S. Tomé.
² Rosema é a cerveja de produção nacional de S. Tomé.
³ Fidel = É uma quitanda, que é uma mistura entre bar e mercearia, típico em S. Tomé.