“Para quê? Isso tem tudo para dar asneira”

Vamo-nos transformando, investindo o que somos e potenciando o que ainda podemos ser. Somos dor de cabeça, colo e luz umas para as outras; a “mão no ombro e o pontapé no rabo”. Temos muita sorte, mas também a vamos construindo.

Vim em missão e preparei-me para encontrar novas paisagens, novas culturas e novos costumes; mas não me preparei para encontrar tudo isso, tão intensamente, dentro da minha própria casa, na minha comunidade.

Somos 5 pessoas (3 a viver na cidade de São Tomé e 2 a viver em Vila Malanza) muito diferentes: com diferentes personalidades, formas de olhar e experimentar o mundo e a missão, diferentes formas de trabalhar e descansar, com hábitos já enraizados que nem nos apercebemos que temos. Estamos juntas quase 24/24h e isso é exigente para todas. Partilhamos o trabalho, as refeições, a oração, o descanso, o caminho, as tarefas de casa, toda a rotina. Somos 5 pessoas, todas toscas, sem livro de instruções. 5 pessoas que não se escolheram e com um universo bem complexo dentro de cada uma. “Para quê? Isso tem tudo para dar asneira” – poderia pensar-se.

Não nos escolhemos, mas não temos dúvidas de que cada uma foi chamada pelo próprio nome, pelo Maestro que nos vai dirigindo para sermos uma orquestra bem diversa, mas afinada, a procurar acertar o tempo com Ele e cada uma.

Temos em casa o nosso primeiro apoio, a nossa primeira prioridade, a nossa família, o nosso descanso, a boa (in)sanidade. Nas exigências do dia-a-dia, é mesmo bom chegar ao fim do dia e rezar juntas; ligar para “as miúdas do sul”, descobrir a aventura que vão sendo os seus dias e partilhar a nossa; fazer o relato do dia, enquanto se aquece a sopa para o jantar; preparar o dia de amanhã em conjunto; pôr em comum as dificuldades e fragilidades e também as alegrias, conquistas e gargalhadas; suportar a carga umas das outras e até pôr o dedo nas feridas quando é preciso; descansar umas nas outras, numa conversa de sofá, num passeio por esta ilha maravilhosa ou num abraço que nos lembra que não estamos sozinhas, que não somos autossuficientes, que estamos seguras na nossa pequenez.

É uma verdadeira escola de relações humanas, onde também descobrimos novas paisagens dentro de nós, questionando e escavando dentro da nossa própria história, aprendendo a ser o que somos. Vamo-nos transformando, investindo o que somos e potenciando o que ainda podemos ser. Somos dor de cabeça, colo e luz umas para as outras; a “mão no ombro e o pontapé no rabo”. Temos muita sorte, mas também a vamos construindo. Vamos confirmando, leve leve, a frase que se vai repetindo no meio dos LD: “feliz é quem cresce em comunidade”.

Obrigada, queridas manas, por fazerem parte deste tempo privilegiado de missão, por me fazerem crescer na simplicidade, na humildade, na confiança e na alegria!

Mariana Viana Baptista
São Tomé e Príncipe – Cidade, 2020-2021