Fui só (tentar) desenhar na praia.

Comecei a desenhar, sem grandes preocupações com o traço, a preto sobre um papel creme. Na realidade, não importa o suporte nem a cor da tinta, apenas o momento e o que ele me marcou.

Há muito que não pegava numa caneta e papel para desenhar, só desenhar o que está à minha frente, sem ter de criar nada. Deixar que a mão simplesmente esboce um momento. Já lá vão 6 anos, desde que fui operada à mão… o traço já não era o mesmo, não me identificava com ele.

O ano passado, ao longo da formação dos Leigos para o Desenvolvimento, senti uma enorme vontade de voltar a desenhar, pelo menos tentar. De passar para o papel aquilo que sentia através do desenho, e não por palavras. Sempre me foi mais fácil exprimir-me desta forma. E, curiosamente, era a mesma vontade que tinha em deixar o meu dia-a-dia e partir em missão. Só me apercebi deste paralelismo, quando um dia, pouco depois de estar um mês em missão, decidi ir para a praia desenhar.

Estava um dia de muito sol, maré baixa e crianças a brincarem no mar. Ao fundo via-se bem Porto Alegre e, de onde estava, era possível ver o Ilhéu das Rolas a espreitar do lado esquerdo desta baía. Uma paisagem única de silhuetas que contrastavam com o azul do céu.

Comecei a desenhar, sem grandes preocupações com o traço, a preto sobre um papel creme. Na realidade, não importa o suporte nem a cor da tinta, apenas o momento e o que ele me marcou. Tentar registar, a uma velocidade inatingível, as brincadeiras das crianças no mar ou uma mãe que passava com o seu filho às costas, foi, sem dúvida, um enorme desafio, como tantos outros que tenho vivido desde que cheguei a S. Tomé. No meio dessas linhas desenfreadas, o meu olhar alternava entre a paisagem e o papel, reparo que as crianças saíram do mar e vieram deitar-se na areia, a uns metros de mim. Riam e olhavam curiosas por saber o que estava a fazer.

Disse-lhes “olá”! Num pulo, vieram a correr até mim, rodearam-me e começaram, entusiasmadas, a falar do desenho e a apontar, como quem identifica cada traço, tosco, na paisagem. Umas falavam em dialeto, outras em português. Ficavam fascinadas por cada coisa que desenhava, iam tentando adivinhar o que ia fazer a seguir. Há melhor gratificação que as crianças, com a sua enorme sinceridade, perceberem e comentarem o que acabava de desenhar? Não precisávamos de falar a mesma língua!

Continuo a (tentar) desenhar! Sempre acompanhada por crianças, jovens e até adultos, que estão ali, não só para me verem rabiscar num papel mas, porque sentem orgulho em cada registo que faço duma pequena parte desta paisagem que lhes pertence. Em todos estes momentos há uma história diferente que marca esta missão.

Sofia Cabral
S. Tomé e Príncipe – Cidade, Missão 2019-2020