Para tudo há um tempo

Para tudo há um tempo

Todos temos aquela camisola que somos incapazes de deitar fora. Já a temos há anos, mas tem nas suas fibras tantas memórias, que deixou de ser apenas uma simples peça de roupa. Faz parte da nossa história, de quem somos, porque a vestimos durante uma parte tão grande da nossa vida, que guardou em si um pouco de cada lugar por onde passou.

Eu também tenho uma camisola destas, que as pessoas sabem que é a minha se ficar perdida no final de um jantar em cima de um sofá. Uma camisola que fala de mim e de quem sou. E também eu estou na luta de a querer continuar a vestir, todos os dias e para todo o lado. Mas já chegou àquele ponto em que se a minha mãe me visse sair de casa com ela não ia deixar passar indiferente.

– “Essa camisola já teve o seu tempo, não?” – diria a minha mãe.

Agora, estou diante do meu armário. Com respeito, tiro a Camisola do armário, pouso-a em cima da cama e contemplo-a. Sinto no corpo a sensação incomparável de um fresquinho quentinho de estar sentada na roda, com uma guitarra na mão, acabada de tomar banho no rio e ter-me vestido na tenda, entre gargalhadas e partilhas. Vêm-me à memória viagens a Peniche, a velocidades questionáveis e música aos altos berros, enquanto terminamos os últimos pormenores da atividade que está prestes a começar. Vejo, ao longe, dois amigos a conversar sobre a vocação e o que os ajuda a encontrar Deus no dia-a-dia. Oiço vozes de pessoas a descobrir os planos do próximo ano e a perceber como podemos servir, cada vez mais, a nossa missão.

Diante desta Camisola, e da história que traz consigo, só posso agradecer tanto bem vivido e recebido, tantas pessoas que, ainda hoje em dia, me fazem acreditar que somos chamados a mais e que o Céu pode ser vivido hoje e aqui.

Pego na camisola – com cuidado, porque já tem o seu uso – e visto-a. Deixo-me habitar por ela. E, subitamente, não me sinto diferente. De repente, percebo que a camisola já faz parte de mim, quer esteja vestida ou não.

Isto de ser Gambozino tem muito que se lhe diga. «Para tudo há um momento. e um tempo para cada coisa que se deseja debaixo do céu» [Ec 3, 1]. Também ser Gambozino tem os seus tempos e momentos: há um tempo para ser animador, como se toda a nossa vida dependesse disso, e um tempo para se deixar ser animado. Há um momento para preparar atividades e outro para aproveitar o que os outros prepararam. Há um tempo para agarrar e outro para largar.

Mas a magia de ser Gambozino é que, verdadeiramente, nunca deixamos de o ser, mesmo quando já não participamos de forma tão ativa nas atividades desta Associação. Por isso, chegou o tempo de largar, de confiar a missão para quem este é o tempo e o momento de a viver, e de continuar a ser Gambozina na minha vida, naquilo a que hoje sou chamada.

Vou continuar a guardar e passear esta camisola, agora por outros lugares e novas aventuras. Sou Gambozina e o sonho mantém-se o mesmo: contribuir para a construção do Reino. E que bom que é saber que por aí há tantos que se passeiam com esta camisola, patrocinando este mesmo sonho.  E estão à distância de um jantar, uma missa ou uma conversa. Não estou sozinha na missão. Que bom é ser Gambozina e ter esta camisola.

Francisca Santos

Vestir a camisola

Vestir a camisola

Quer se tenha feito campos todos os anos, apenas um dia de Natal, que se tenha conhecido os gambozinos apenas como animador ou que já se seja sócio desde que se nasceu, os gambozinos marcam todos aqueles que por aqui passam.

Fazer gambozinos é uma experiência transformadora e impossível de passar indiferente. Aliás, não dizemos que “fazemos gambozinos”, mas sim que “somos gambozinos”, porque, não só os gambozinos nos tocam, como também deixamos um pouco de nós: com os nossos talentos, boa vontade e até ideias. Torna-se algo personalizado, vivo e movido por nós, em que tentamos ser testemunhos de Deus. Que nunca nos esqueçamos disto: somos TESTEMUNHO e os gambozinos são apenas um instrumento para o sermos. Que tudo o que fazemos em nome dos gambozinos tenha este objetivo, seja quando se pensa num jogo, na noite de fados ou numa visita ao bairro. Antes de representar os gambozinos, e vestir a camisola, estou a representar o Senhor. Por isso é que os gambozinos fazem parte de cada um de nós, uma vez que, entregando o nosso trabalho a Deus, tudo o que vem é bom e, consequentemente, o tempo nos gambozinos foi, é e será bom para cada um.

Os gambozinos dão-nos ferramentas, não só para sermos bons animadores, mas para sermos bons cidadãos e, acima de tudo, bons cristãos. Até nas coisas mais pequenas os gambozinos trazem algo de relevante que levamos para o dia a dia, desde as formações SPC, que nos ensinam a cuidar das nossas palavras e do impacto que podemos ter na vida de alguém, a atividades que, mesmo com o seu muito planeamento, não têm tanta adesão e que nos obrigam a trabalhar a paciência, em momentos em que esta pode ser bastante escassa. Há muitos outros exemplos, mas o importante a salientar é que, por mais pequena que seja a nossa contribuição como animador, retiramos sempre algo de útil para a vida comum.

É necessário que “ser gambozino” seja uma responsabilidade que encaramos com alegria; que, através dos nossos atos, quem nos rodeia perceba que fazemos parte desta família e, mais importante, que o Verdadeiro Gambozino vive em nós e quer transbordar para fora. Ser gambozino é, também, sair da nossa zona de conforto, não ter medo de arriscar e confiar nos convites que nos são feitos ao longo do tempo, rezando-os sempre e tentando perceber a vontade de Deus.

Ser gambozino é ser alegre e reconhecer-me amado por Deus. Ser gambozino é amar e não deixar ninguém de parte. Ser gambozino é gritar o “dizem que somos locos de la cabeça” num comboio apinhado de gente nas JMJ. Ser gambozino é viver na simplicidade. Ser gambozino é respeitar a natureza. Ser gambozino é rezar a minha vida com Deus.

Ser gambozino é tudo isto e mais alguma coisa. Não é necessária uma lista detalhada na qual vou fazendo “checks”, para identificar se o sou ou não. Apenas sei que tu, se já estiveste em contacto com os gambozinos, deixaste um pouco de ti durante a tua caminhada.

Beatriz Melro

 

SONHAR

SONHAR

Isto é certo, os Gambozinos começaram com um sonho.

Um sonho pode ser várias coisas. Pode ser o mais comum, aquelas imagens desconexas no sono, sem sentido aparente ou com um significado entre o enigmático e o irrelevante, que se esquecem passado uns tempos. Também não calhava nada mal falarmos dos sonhos da travessa do Natal polvilhados com açúcar, que enchem bem, mas não satisfazem para além daquela refeição. Vi algures que um sonho se pode definir como “uma ideia veemente e apaixonada”. É isto. Uma ideia tão forte que não cabe só no papel, um ideal pelo qual vale a pena lutar, que nos faz ir correr, cantar e espalhar a mensagem.

Então, sim, os Gambozinos começaram com essa ideia veemente e apaixonada. E já lá vamos. Muito antes deste sonho diário com o qual lidamos todos os dias e pelo qual vestimos a camisola, houve outro Senhor que, de forma veemente, se apaixonou pela Humanidade. Sem recuar, sem hesitar, certo do que propunha, revelou o Amor que terá sempre a última palavra a dizer, que vencerá sempre. Não acho que haja forma mais clara de se ter uma ideia com veemência e paixão. Não houve, até hoje, ninguém a sonhar tão alto. E a cumpri-lo com tanta categoria.

Por causa desse sonho maior, alguém depois teve outra ideia veemente e apaixonada: a GBZ. “E se juntássemos a malta meio diferente e os fizéssemos perceber que aí é que estava a beleza da vida, das coisas?”. “Tás maluco, meu, isso é tudo muito bonito, mas sabes que não vai resultar”. Bastou veemência, propósito e paixão, e cá estamos: num sonho bem real, que a tantos e tantas toca, todos os anos. De longe que é um sonho já cumprido. É o contrário. É o trabalho de tantos veementes apaixonados que sonham com um mundo como quer o grande Sonhador.

Por tantas coisas, a mim parece-me que sonhar hoje é mais difícil. A esperança não é propriamente o sentimento dominante no que vemos e ouvimos, hoje somos mais comodistas, talvez mais preguiçosos. Conformamo-nos com as coisas. Percebi que o sonho só nasce destas circunstâncias. O sonho só nasce contracorrente. Deus sonhou contra um povo que o queria matar, os Gambozinos foram sonhados contra as dificuldades materiais e de opiniões, etc. etc. Um sonho só é uma ideia veemente e apaixonada porque o precisa de ser. E precisa que não o deixe de ser. Como cristãos compassivos, preocupados e interventivos que a GBZ nos faz ser, não poderemos nunca deixar a veemência, e persistir sempre neste projeto tão bonito, construindo sempre um tijolo de cada vez, com o trabalho e sacrifício próprios. Se acreditamos nele, então que trabalhemos nele.  Depois, e mais importante, nunca deixar a paixão. Um trabalho sempre alegre, uma ideia que nos faz ir mais rápido. Ser apaixonado é o Magis, que é pensar sempre alto, para o Alto. Então que construamos este sonho nunca em cima do joelho, nunca com poucochinho.

Ser um Gambozino é sonhar todos os dias. É ser um veemente apaixonado.

António Serrano

Sonhar na Margem

Sonhar na Margem

Pelo que tenho vindo a perceber, os sonhos dos miúdos no bairro são simples e genuínos. São raros os miúdos que sonham muito alto, ou com coisas inalcançáveis. Sabem o que gostam de fazer, e como gostam de gastar o seu tempo, não sentem muita falta de sonhar com outras coisas ou de explorar novos interesses.

Nós, se calhar, sonhamos mais alto, sonhamos em andar na melhor escola e tirar o melhor curso. Em ir para o país mais longe e mais diferente. Em investir na nossa carreira, e procurar gosto nas coisas que fazemos. Como o temos para nós, temos tendência em querer também para os outros. Desejamos que quem está ao nosso lado chegue também muito longe.

Eu acho isso ótimo, mas deixa-me a pensar se é legítimo impor os nossos próprios sonhos aos outros. Embora possamos lutar para lhes dar oportunidades, é essencial que eles também as desejem. Afinal, os sonhos são o que impulsiona o progresso e o esforço, e o que nos leva à alegria e ao orgulho (o bom orgulho). A falta de sonhos deixa-nos estagnados e sem perspetivas.

A realidade, por vezes, parece sufocar os sonhos, e levar-nos a acreditar que não vale a pena sonhar.

Eu acho que se deve contrariar isso, mostrar que se pode sonhar e que os sonhos até são alcançáveis. Mas é preciso ir atrás deles.

É uma missão um pouco frustrante e com pouco reconhecimento, mas acho que isto se faz semeando. É através das conversas e memórias. Não é propriamente construindo escolas e dando aulas, claro que isso é importante, mas os sonhos só surgem se vierem de dentro. Não vale a pena impingir. Não dá para chegar ao bairro e mudá-lo, não é realista. Mas a convivência, o exemplo, o testemunho, isso sim faz a diferença. É difícil porque é uma mudança que não se vê. Mas são os miúdos que têm de perceber dentro deles o que querem, e a importância dos seus sonhos. Para mim, sonhar na margem é só amar, estar disponível e estar. E isto sim, são os Gambozinos.

Vera Carvalho

 

MAGIS: Para Sonhar com Deus

MAGIS: Para Sonhar com Deus

“Este ano de Gambozinos passou a correr!”

Dizemos sempre isto no final de cada ano, pelo menos eu acho que digo sempre, mas de facto este ano houve tanto a acontecer, tantas atividades, mini-campos, eventos de angariação de fundos, tantas propostas, que o tempo parece que acelerou mesmo!

Os dias passaram, já estamos mesmo em cima do verão. E que verão especial aí vem!

Para além dos campos de férias, teremos as Jornadas Mundiais da Juventude, que, de certa forma, se assemelham a um campo de Gambozinos por possibilitarem um espaço de encontro entre pessoas de realidades tão distintas e que têm em comum a sua fé em Cristo.

Será um campo em movimento, dinâmico, mas nem por isso menos impactante, e igualmente capaz de criar verdadeiros Gambozinos, construtores de pontes em qualquer circunstância, e em qualquer língua.

Tal como um campo, por ser uma experiência capaz de nos transformar, até sem darmos logo conta, exige a necessária preparação, para que possamos aproveitá-la ao máximo, sem desperdiçar nenhum momento.

Por isso, uns dias antes das Jornadas, a Companhia de Jesus organiza o MAGIS que reúne jovens da Família Inaciana de todo o mundo. Este encontro serve para preparar o coração para os dias que se seguem, para criar abertura de espírito à mudança que pode surgir.

Magis  vem do latim “mais”/“maior”, e foi um termo utilizado muitas vezes por Santo Inácio de Loyola, sendo uma ideia chave para a Companhia de Jesus, e por isso para qualquer Gambozino, que também é um membro da Família Inaciana.

Mas que implicações deve ter o Magis na vinha vida? É suposto eu querer ser o maior, ou ser / ter mais? Não me parece que seja bem por aqui.

Para perceber isto melhor vamos então voltar ao início do ano, quando foram apresentadas as Linhas de Fundo dos Gambozinos : “Uma Só Coisa É Necessária”.

Esta foi a ideia que se quis manter presente no meio de tanta correria, tantos eventos, e acontecimentos: no meio disto tudo, só uma coisa é necessária, Deus.

E sendo Deus a única “coisa” necessária, também o Magis deve ter por referência Deus.

Ou seja, simplificando, fazer “o mais” por Deus, e não para que eu seja o maior.

Santo Inácio percebe o quão importante é para  todos nós sonhar, desejar ser melhor, conseguir fazer mais, e por isso fala tanto deste Magis. Quando estamos a trabalhar ou a estudar, fazermos o melhor possível, quando sonhamos ou planeamos, ousarmos sonhar alto.  

E aqui, duas chamadas de atenção. Primeiro, é o melhor “possível”, tendo em conta aquilo que somos e temos para oferecer. É importante apontar para o céu, mas não esquecer que vivemos na terra. Segundo, não é o mais para mim, ou para o meu grupo, não é o ser melhor que toda a gente, mas sim que tudo seja orientado para Deus.

Que este Verão sirva para que todos os Gambozinos aprendam a ser Magis, a viver e a sonhar em tudo, para a maior glória de Deus.

Sofia Bandeira Costa

Como preparar um campo GBZ

Como preparar um campo GBZ

Antes de começar por explicar qualquer coisa, ou escrever sobre este tema, vamos tentar perceber o que é um campo. Melhor, o que é um campo de Gambozinos?

Como a maioria dos leitores deste jornal deve saber, os Gambozinos são uma associação juvenil sem fins lucrativos etc. etc. etc.… A grande questão que se põe é: mas porque é que os Gambozinos, que aos olhos da sociedade são tão distintos entre si, se inscrevem todos os anos nos campos de verão?

Para se obter este impacto na vida dos Gambozinos, sejam eles animados ou animadores, é preciso muita preparação e dedicação. Muita oração e (bom) tempo dedicado ao essencial, porque “uma só coisa é necessária”.

Podemos encontrar todas estas exigências na preparação de um campo de verão. Tudo começa num fim-de-semana.

O fim-de-semana começa por juntar os quatro elementos da direção (Diretor, Diretor-Adjunto, Mamã e Padre) e treze animadores. Todos eles de núcleos distintos. É logo nesta pequena grande diferença que se começa a viver e a sonhar um campo. Aliás, se fossem todos melhores amigos e do mesmo núcleo, não resultava. Esta é a primeira magia e o primeiro passo do campo: conhecer e partilhar a nossa vida com um “desconhecido”. Só assim, conhecendo-nos e conhecendo quem está ao nosso lado, é possível começar a juntar peças. É na diferença que está a inovação.

No decorrer dos dias, são nos propostas várias tarefas. Uma das primeiras é o Plano de Campo. Plano de Campo… a dor de cabeça que isso dá! Este tem muitas regras base que, sem elas, seria apenas um conjunto de jogos sem sentido, com algumas refeições, banhos no meio e, por acaso, falar-se-ia de Jesus lá por volta das 10h00. NÃO! É no Plano de Campo que se começa a rezar o campo. Começa-se por falar das idades que vão fazer o campo, de seguida adapta-se o tema dos BDS’s à idade, divide-se esses temas pelos dias e, por fim, inicia-se a logística do plano de campo.

Agora sim, a dor de cabeça chega! Planear dez dias de campo, tendo por base tudo o que foi discutido nos pontos anteriores. Que comece o brainstorming de possíveis imaginários! Definindo o imaginário, passo seguinte é preencher os espaços designados para os jogos, com jogos novos, jogos criativos e jogos clássicos (Tens Mira e Assalto ao Castelo são os clássicos que não podem faltar no Plano de Campo).

Preparar um campo requer muita dinâmica. Muita disponibilidade, acima de tudo. O ideal seria ficar tudo perfeito e feito naqueles três dias de fim-de-semana, mas por vezes não é possível e temos de levar trabalho para casa. Aqui, a correria do dia-a-dia impede-nos de parar e de focar no essencial. Mesmo tendo tudo feito e fichas de jogo entregues, é muito importante não esquecer e ir rezando o campo, cada animado, cada animador, cada jogo, a gamboliga, entre muitas outras coisas, para se chegar ao campo focado no que de verdade importa.

Para quem está a ler, parece fácil. Para quem já experienciou, sabe que não…. Mas isso é ótimo! Entregar o nosso tempo a estes animados e a preparar um campo, é, por outras palavras, dedicar e oferecer este tempo a Jesus! É por Ele que o fazemos, é por Ele que choramos e é por Ele que no final sentimos a Alegria (no seu verdadeiro sentido) através dos animados.

Saber que um campo pode transformar um gambozino (sim, basta um), já valeu todos os dias, todas as horas, todos os minutos, segundos, milésimos de segundo, e muito mais… porquê esta conclusão? Porque sim, porque só isso é necessário!

 

Zé Matos