Ser paciente

No Dia Mundial do Doente, o testemunho de Sofia Guedes que há anos que acompanha pessoas em enorme fragilidade. E que tem lutado contra a lei da eutanásia. Recentemente sofreu um grave acidente, do qual saiu a aprender o que é ser paciente.

No Dia Mundial do Doente, o testemunho de Sofia Guedes que há anos que acompanha pessoas em enorme fragilidade. E que tem lutado contra a lei da eutanásia. Recentemente sofreu um grave acidente, do qual saiu a aprender o que é ser paciente.

Desde que me encontrei com Jesus, e Ele me preencheu o vazio existencial em que vivi durante anos, que me fascinam as pessoas frágeis. Passei a olhá-las como seres grandes, especiais e onde se descobre o mistério do ser humano. Como se chegar perto delas, tocá-las, ouvi-las, olhá-las, fosse uma espécie de privilégio. Não por encontrar no sofrimento um valor em si mesmo, mas por ver na pessoa que sofre o valor da sua dignidade e humanidade. São a imagem de Cristo na Cruz redentora. É como entrar no mistério de Deus com os homens.

Por isso, desde há muito criei intimidade e proximidade com pessoas doentes, algumas incrivelmente sofridas, mas que foram e são os meus professores sobre o que é ser Paciente. De tantas e tão íntimas, vem-me sempre à memória a Toninha, essa mulher que durante 15 anos viveu estendida numa cama, ligada a todas as máquinas possíveis, mas com uma consciência da realidade absolutamente extraordinária. Na sua cama de hospital, via o mundo como ninguém.

Recordo também a minha irmã Ana, que viveu os seus últimos momentos numa dor permanente, mas que era acompanhada e aliviada pela sua imensa fé e pela oração, a sua única forma de falar e comunicar connosco, a sua família.

E neste momento tenho muito perto o meu irmão Fernando, que há seis anos teve um terrível acidente de carro e vive hoje 90% dependente. É um sábio que descreve o que é a virtude da paciência: a ciência da paz, da espera, da compreensão do outro. A sua memória não é igual à do comum dos mortais que vivem a sua vida normalmente. A sua memória é aquela que está no mais profundo do ser humano, onde se consegue discernir o que de verdade importa viver em qualquer circunstância. É como se fosse uma memória não do tempo, mas da eternidade.

Por tudo isso, e por outras razões, desde 2015, formei com um grupo de amigas o Movimento Stop Eutanásia. Um movimento que procura que a sociedade pare e pense, para agir nas melhores soluções e decisões no que diz respeito ao sofrimento e ao fim de vida. Não é um movimento revolucionário, mas uma forma de mostrar que matar não é sinónimo de amar. Procura não ver no outro que não pensa como eu um adversário, mas um possível aliado na busca de soluções para aliviar o sofrimento de tantos, onde todos nos incluímos.

Daí ter surgido também o Movimento Humanizar Portugal, um movimento que complementa e assenta num diálogo sereno, num tu a tu. Um Movimento de escuta da sociedade.

E como Nosso Senhor me ama profundamente e quer precisar de mim, aliás como de todos, fez-me ainda experimentar o que é ser paciente. Em junho do ano passado, dei uma valente queda de bicicleta, em que fraturei o crânio em dois sítios, tive uma grande hemorragia cerebral, com traumatismo e um grande edema ocular. Foi, de facto, muito grave. E durante três dias não estive consciente e ainda hoje não me lembro de nada do que aconteceu. Mas lembro-me, e ficará registado para sempre, que enquanto o mundo seguia o seu percurso, eu estive como que mergulhada no meu mundo interior, vi-me em casa de Nossa Senhora e S. José, que cuidavam de mim e dos médicos que me tratavam. Apenas me pediam para rezar, rezar sempre e confiar.  Lembro-me de rezar muitas Avé Marias. Acordei muito amachucada, é verdade, mas feliz! Confirmei que a fé, a oração e a ação nos tornam íntimos de Deus e do Céu. Que todos temos uma morada e que o medo nunca é um amigo.

No tempo que se seguiu, cerca de um mês e meio, apreciei com uma imensa alegria a forma como cuidaram de mim, a minha família e todos os milhares de amigos, através de gestos e de orações. E fui melhorando, melhorando, até hoje que me sinto melhor do que nunca. O sofrimento integrado provoca o amor verdadeiro. Finalmente posso dizer que toquei a Cruz, e afirmar, mesmo que pareça louca, Obrigada! Porque agora sei o que é a beleza do “Paciente”.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.