O Senhor espera-nos na nossa vida. Reconhecemo-lo? 

A boa notícia é que no meio desta vida-de-todos-os-dias, onde estamos “na nossa praia”, mas sobretudo nos momentos de crise em que “não pescamos nada”, o Senhor precede-nos na nossa Galileia (Mc 16,7). Será que acreditamos mesmo nisto?

A boa notícia é que no meio desta vida-de-todos-os-dias, onde estamos “na nossa praia”, mas sobretudo nos momentos de crise em que “não pescamos nada”, o Senhor precede-nos na nossa Galileia (Mc 16,7). Será que acreditamos mesmo nisto?

Depois dos primeiros encontros com o Ressuscitado, neste terceiro Domingo da Páscoa somos convidados a acompanhar os discípulos na sua intimidade e no seu regresso à rotina. Também nós, depois de termos vivido mais uma Páscoa e de termos experimentado com maior ou menor intensidade que o Senhor deu a vida por nós e venceu a morte, voltamos às nossas vidas com os seus problemas e desafios. Mesmo que nos tenhamos sentido renovados pela Ressurreição, o risco de esquecer que Jesus está vivo é grande e talvez até “normal”.

A boa notícia é que no meio desta vida-de-todos-os-dias, onde estamos “na nossa praia”, mas sobretudo nos momentos de crise em que “não pescamos nada”, o Senhor precede-nos na nossa Galileia (Mc 16,7). Será que acreditamos mesmo nisto? Temos fé que o Cristo Ressuscitado aparece através de uma conversa simples ou numa pergunta banal? Ousamos fazer o que nos pede, mesmo quando duvidamos que possa vir a funcionar, tão certos de que já tentámos tudo o que sabemos? Penso naquele problema de família, naquela relação difícil no trabalho, naquele hábito que descentra e que não consigo deixar. Mas nos dias que correm penso também na angústia de não sabermos o dia de amanhã. Acredito que a aparição deste Domingo é uma boa ajuda e dá-nos algumas chaves de leitura para deixar que o Senhor toque sem cessar a nossa vida quotidiana.

Se a nossa relação diária com Deus se resumir a tomar consciência deste amor, a reconhecê-lo, isso já transforma por completo a maneira como vivemos acontecimentos e relações, sem defesas, livres porque somos amados.

Tudo começa por aprender a reconhecer. O primeiro a reconhecer o Senhor é o discípulo muito amado. Na verdade, o programa de vida de Jesus foi mostrar-nos que somos, todos e cada um, discípulos muito amados. Lembramo-nos disso a cada dia? Se a nossa relação diária com Deus se resumir a tomar consciência deste amor, a reconhecê-lo, isso já transforma por completo a maneira como vivemos acontecimentos e relações, sem defesas, livres porque somos amados.

Outra maneira de O reconhecer e que está intimamente ligada à primeira é a Eucaristia. A mesa preparada, as brasas acesas com peixe em cima e o pão tomado e repartido (Jo 21,9) são a Eucaristia onde o Senhor se dá como na Última Ceia. Nesta entrega por amor temos o alimento para enfrentar cada desafio. Não somos ingénuos e sabemos, nem que seja por  experiência própria, que a Eucaristia não resolve os problemas como num piscar de olhos. Mas em cada Eucaristia podemos reconhece-Lo e a aprender Dele a entrar em comunhão através das coisas mais pequenas: uma atitude, uma resposta, uma maneira de estar… E confiamos e sabemos que, a seu tempo, isso pode mudar de maneira profunda a realidade que vivemos. 

Em seguida, podemos deixá-Lo avivar a nossa memória. Uma das infinitas características que me fascina em Deus é a maneira como faz história connosco. Fazer história passa por fazer memória. Mas, com Deus, a memória não nos subjuga. Antes é motivo de transformação do presente e de um abrir de portas para o futuro. Numa altura em que a tendência é viver com intensidade o presente e “cancelar” tudo o que no passado é motivo de vergonha, Deus, o especialista em fazer memória, vem mostrar-nos na Ressurreição de Jesus que Se aproveita de tudo como oportunidade para nos dar vida. Mesmo que isso exija uma “Páscoa” (uma passagem, da palavra hebraica “Pessach”). A memória está presente e é avivada ao longo de todo o texto do Evangelho da missa de hoje.. À borda deste lago deram-se muitos encontros, nas suas águas superaram-se muitos medos. A refeição partilhada é uma entre tantas onde se construíram relações. Mas olhar os acontecimentos presentes com uma memória avivada, não é ver as coisas à nossa maneira onde o desgosto, o ressentimento e a culpabilidade batem à porta com facilidade. Antes, é deixar que o Senhor da vida mude a nossa maneira de ver para a Sua maneira de ver sempre nova. E se não sabemos como fazê-lo, podemos sempre pedir-Lhe esta luz e esta graça.

Deus, o especialista em fazer memória, vem mostrar-nos na Ressurreição de Jesus que Se aproveita de tudo como oportunidade para nos dar vida.

Finalmente, somos convidados a arriscar a intimidade com Jesus. O diálogo entre Jesus e Pedro faz-nos entrar na intimidade de uma relação profunda mesmo que cheia de tropeções. Mostra-nos que Jesus não só não desiste de nós, como continua a enviar-nos confiadamente à nossa rotina. Estar na vida a partir desta relação implica nem sempre saber o que nos espera e que outros (pessoas ou situações) nos levem por onde não queremos. Mas, como Pedro, que deixou que esta relação fosse o centro da sua vida, apesar de fragilidades e tropeções, podemos sempre voltar a este diálogo e dizer com confiança: «Senhor, Tu sabes tudo.» Tu sabes não só que Te amo, mas como Te amo.

Sim, Senhor, tu sabes como Te amamos e como Te desamamos na nossa vida de todos os dias e ainda assim lá nos esperas e lá nos pedes que Te sigamos. Reconheçamos a confiança que o Cristo Ressuscitado tem em nós e peçamos que seja a força primordial que nos faz encarar a vida de cada dia de maneira ressuscitada.

Fotografia –  don Tommaso – Il lago di Tiberiade – wikicommns

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.