Humildade e misericórdia: vamos com Francisco?

A um ano de um Sínodo dos Bispos que convida ao discernimento, o Papa indica a primeira mudança para superar crises: a atitude. Com humildade e misericórdia. Porque não há comunhão, participação ou missão sem disponibilidade para ouvir.

A um ano de um Sínodo dos Bispos que convida ao discernimento, o Papa indica a primeira mudança para superar crises: a atitude. Com humildade e misericórdia. Porque não há comunhão, participação ou missão sem disponibilidade para ouvir.

A um ano de um Sínodo dos Bispos que convida ao discernimento, o Papa indica a primeira mudança para superar crises: a atitude. Com humildade e misericórdia. Porque não há comunhão, participação ou missão sem disponibilidade para ouvir. Comecemos pela escuta e pela comunicação.

 

No dia 27 de agosto o Papa Francisco reuniu em Roma um Consistório para a criação de 20 novos cardeais. Foi, assim, alargado o horizonte geográfico do Colégio Cardinalício que conta agora com 226 cardeais dos quais 132 são eleitores num próximo conclave. Passam a ser 90 os países representados.

Caminhando no perdão
No dia seguinte à criação dos novos cardeais, ganhou relevo mediático a visita de Francisco a Áquila. Uma cidade do centro de Itália que ainda tem bem presentes as marcas do sismo de 2009. Francisco esteve presente para o início de mais uma edição do “Perdão Celestino”. Com a abertura da Porta Santa Basílica de Collemaggio recorda-se a promulgação da “Perdonanza” (Perdão).

Reza a história, segundo recorda a Agência Ecclesia, que o Papa Celestino V após a sua eleição pontifícia, a 29 de agosto de 1294, chegou montado num burro à cidade de Áquila, levado por Carlos II de Anjou, rei de Nápoles. E aí decidiu que todos os que visitassem a Basílica de Collemaggio, nesta cidade, entre os dias 28 e 29 de agosto, receberiam a remissão dos pecados.

Na homilia da Missa a que presidiu na Basílica dedicada a Santa Maria, Francisco refletiu sobre o perdão. Insistiu na importância de que cada um de nós deve reconhecer a sua própria miséria. Ou seja, cada pessoa deve confrontar-se consigo mesmo e passar pela experiência do perdão.

Destacou a figura de Celestino V revelando a sua humildade. “A humildade não consiste na desvalorização de si mesmo, mas naquele realismo saudável que nos faz reconhecer as nossas potencialidades e também as nossas misérias” – disse o Papa.

Francisco elogiou o Papa Celestino V e a sua atitude de renunciar ao pontificado. Apresentou-o como um exemplo de humildade para toda a Igreja. “Nele admiramos uma Igreja livre da lógica mundana e testemunha, plenamente, daquele nome de Deus que é a Misericórdia” – frisou o Papa.

O Santo Padre disse ainda na sua homilia que “o cristão sabe que a sua vida não é uma carreira à maneira deste mundo, mas uma carreira à maneira de Cristo, que dirá de si mesmo que veio para servir e não para ser servido”.

A homilia concluiu-se com uma oração a Maria: “Que a sua intercessão materna obtenha o perdão e a paz para o mundo inteiro, a consciência da própria miséria e a beleza da misericórdia” – pediu o Papa.
Nos dias seguintes, 29 e 30 de agosto, o Papa esteve reunido com todos os cardeais. Estiveram presentes 197 purpurados para uma reflexão aprofundada sobre a nova Constituição Apostólica para a Cúria Romana. “Praedicate Evangelium”, “Pregai o Evangelho” é o nome do documento recentemente publicado e que entrou em vigor no passado dia 5 de junho.

O objetivo desta fase é o de aprofundar o discernimento de tudo aquilo que emergiu na fase de escuta local e nacional. Os encontros continentais terão lugar entre os meses de janeiro e março de 2023.

Em processo sinodal
Desde o dia da sua eleição que a inspiração sinodal de fazer “caminho conjunto” tem marcado o pontificado comunicade Francisco. E no próximo ano de 2023 terá lugar em Roma um Sínodo dos Bispos precisamente sobre a sinodalidade. Ou seja, uma reflexão profunda sobre o modo como vivem as paróquias, as comunidades, as dioceses e todos os grupos e realidades eclesiais e como anunciam Jesus no mundo.
“Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão” é o tema deste grande encontro que foi proposto pelo Papa em dinâmica trienal (2021-2023) num amplo processo sinodal de consulta em três fases: diocesana, continental e universal.

O cardeal Jean-Claude Hollerich, relator-geral da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, declarou recentemente no Vaticano na conferência de imprensa de apresentação da etapa continental estar “convencido de que estamos perante um diálogo eclesial sem precedentes na história da Igreja”.

O Sínodo entrou, assim, numa nova fase. Recolhidos os relatórios diocesanos neste mês de agosto, frutos de uma ampla participação do povo de Deus, arranca agora a fase continental. Para esta nova etapa será elaborada uma síntese dos contributos diocesanos que estará pronta em outubro.

O objetivo desta fase é o de aprofundar o discernimento de tudo aquilo que emergiu na fase de escuta local e nacional. Os encontros continentais terão lugar entre os meses de janeiro e março de 2023.

 

Um retrato português
A Conferência Episcopal Portuguesa publicou na passada semana a síntese sinodal nacional que enviou para o Vaticano. No texto, os católicos portugueses sublinham a sua visão de uma Igreja “hierárquica, clerical, corporativa, pouco transparente, estagnada e resistente à mudança”.

“Uma Igreja que apresenta uma atitude algo soberba e que se mostra pouco disponível para a escuta, marginalizando os anseios e as expectativas dos membros da sua comunidade, atribuindo-lhes, demasiadas vezes, um papel de recetores passivos” – pode-se ler no documento.

No relatório agora tornado público é assinalada uma situação de declínio da Igreja em Portugal, com pouca atenção ao papel da mulher e “pouco aberta à atualização dos rituais e da linguagem litúrgica”.

Segundo a síntese sinodal na Igreja existe pouca transparência nos “processos de tomada de decisão” e na “escolha de lideranças”. Aponta também debilidades na formação dos presbíteros e problemas na catequese sobre a qual são assinalados “vícios e desencontros que inviabilizam a evangelização”.

Não obstante estes e outros aspetos negativos, esta síntese salienta que a Igreja em Portugal “é tida globalmente como uma instituição credível, presente nos locais onde ninguém ousa ir e solidária com os mais desfavorecidos, a quem presta assistência, mesmo quando falham todas as outras respostas sociais”.
“De uma forma geral, salienta-se a capacidade de acolhimento da Igreja Católica, sobretudo no apoio à pobreza” – revela o texto.

Este retrato português destaca ser “urgente que a Igreja concretize os caminhos apontados pelo Concilio Vaticano II” regressando “à essência e à alegria do Evangelho”.
O relatório revela ainda que a Igreja “comunica de forma deficiente para dentro e para fora”. É uma Igreja que exercita uma atitude “mais informativa do que comunicativa”, “reagindo mais do que propondo” – pode-se ler.

 

A oportunidade da comunicação
Esta observação à atuação da Igreja no âmbito da sua comunicação é um tema de especial atualidade devido à recente crise mediática no âmbito de notícias publicadas sobre eventuais encobrimentos de casos de abusos sexuais de menores ocorridos na Igreja em Portugal.

Como não existe uma estrutura organizada a nível nacional, a tendência é para agir em modo de comunicação reativa. Uma tipologia que gera descoordenação e problemas de perceção.

Quando a comunicação não é objeto de um trabalho de análise estratégica que alargue a abordagem, incorporando diferentes visões, num esforço coletivo para a construção de mensagens, corremos o risco de nem sequer produzirmos informação, quanto mais realizar comunicação.

Neste caso concreto, a intervenção nesta semana do presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. José Ornelas, no início da 10ª edição do Simpósio do Clero, foi assertiva ao reafirmar que “não pode haver tolerância nem encobrimento” de casos de abusos sexuais.

O bispo de Leiria-Fátima manifestou a sua confiança no trabalho que está a ser desenvolvido pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa.

Neste caso como noutros verificamos que a comunicação não é um problema, mas uma oportunidade. Uma oportunidade de evangelização. Tal como refere esta semana no portal da Rádio Vaticano/Vatican News, o padre Federico Lombardi dizendo que “a comunicação para uma pessoa que vive na fé e na Igreja é uma participação na missão de evangelizar”.

O sacerdote jesuíta que nesta mesma semana completa 80 anos de vida e 50 anos de sacerdócio, foi diretor da Rádio Vaticano ao mesmo tempo que era Diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé e revela nesta entrevista que trabalhar na comunicação da Igreja é colaborar “na própria natureza da Igreja e na relação entre Deus e a humanidade”.

Comunicar é, portanto, não só uma oportunidade, como uma função à qual deve ser dada uma atenção primordial. Na sua conceção e organização. Para que seja possível realizar uma comunicação proactiva apoiando a missão evangelizadora da Igreja. Gerando processos de comunicação e vínculos de confiança.

A um ano de um Sínodo dos Bispos que convida ao discernimento, o Papa indica a primeira mudança para superar crises: a atitude. Com humildade e misericórdia. Porque não há comunhão, participação ou missão sem disponibilidade para ouvir. Comecemos pela escuta e pela comunicação.

Fotografia: Ágatha Depiné – Unsplash

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.