Alegria e Misericórdia na família, cinco anos depois

E porque recebemos de Graça pela nossa Fé este sentido de Alegria mais profunda e que nos impele a buscar ver além dos sofrimentos e dos cansaços, temos a missão de dar de graça testemunho dessa Alegria a todos e todas que mais precisarem!

E porque recebemos de Graça pela nossa Fé este sentido de Alegria mais profunda e que nos impele a buscar ver além dos sofrimentos e dos cansaços, temos a missão de dar de graça testemunho dessa Alegria a todos e todas que mais precisarem!

No dia 19 de março teve início um ano santo dedicado à Família, o ano “Família Amoris Laetitia”, que celebra e reaviva os ecos da exortação apostólica do Papa Francisco.

Cinco anos volvidos da publicação desta exortação, também nós celebramos concomitantemente mais cinco anos da nossa história de quase nove anos de matrimónio e mais três de namoro… E se a leitura desta exortação em 2016 foi para nós inspiração sobre o tom de Alegria familiar impresso nas palavras do Santo Padre, iluminando a extrema importância desta célula (o casal), no futuro das sociedades e da própria Igreja, hoje uma releitura levou a que nos detivéssemos no tom de Misericórdia e Acompanhamento com que o Papa pautou toda esta ode às famílias.

Tal câmbio de enfoque poderá ter-nos sido oferecido pelo momento atual em que vivemos como sociedade, em que vislumbramos no nosso contexto mais próximo mas também no mais alargado, famílias isoladas e com sentimentos de culpa pelos pesos provocados pela crise pandémica pelas mais variadas razões e das mais variadas formas. Mas também poderá ter sido suscitado por aquilo que também são, na nossa família como em tantas outras, as crises que a nossa história familiar já foi conhecendo e que são, conforme exortado “parte também da sua dramática beleza” (AL 232).

Provindos de uma história familiar de origem não totalmente enquadrada nos cânones, um filho mais velho de uma família monoparental, e uma filha adotiva de pais já hoje idosos, reconhecemos o quão importante foi para nós, nesta releitura, saborear o itinerário de acolhimento de todos os contextos particulares, concretos e exigentes que podem (co)existir nas dinâmicas familiares, proposto a partir da reflexão sinodal e descrito com apelo a uma “criatividade missionária” como atitude central a adotar dentro da Igreja. A certeza ali evidente de que o Papa Francisco deseja que dentro da Igreja estejamos conscientes e inclinados, em atitude de serviço, a “um interpelante mosaico formado por muitas realidades diferentes, cheias de alegrias, dramas e sonhos” (AL 57), interpela-nos, e faz-nos sentir parte da missão… Cremos, acima de tudo, que a convocatória reiterada a estarmos atentos a cada realidade concreta e o modo como ela nos fala de Deus e dos dons que d’Ele recebemos (Fé, Esperança e Caridade) alarga profundamente este Abraço que o Santo Padre convida a darmos a todas as famílias, a começar pela nossa própria.

Cremos, acima de tudo, que a convocatória reiterada a estarmos atentos a cada realidade concreta e o modo como ela nos fala de Deus e dos dons que d’Ele recebemos (Fé, Esperança e Caridade) alarga profundamente este Abraço que o Santo Padre convida a darmos a todas as famílias, a começar pela nossa própria.

Para nós que somos esposos, pais, filhos, amigos, e cidadãos que atuam no trabalho, nas comunidades e movimentos cristãos (CVX, ENS, CPM, RdF), no serviço aos familiares mais idosos, sentimo-nos diariamente chamados a refletir nesses contextos de missão aquilo que são as razões da nossa esperança em sermos família, e a Amoris Laetitia apresenta-nos uma confirmação dessas razões. Se é com o Amor [paciente, benigno, não indiferente, etc… conforme o Cântico da Caridade de S. Paulo aos Coríntios (1 Cor 13,1-10.13)] que se criam as condições para a esperança e o desejo de ir além de nós próprios para edificar uma família, é também com o mesmo Amor que somos chamados a estender a mão a todas as famílias. Cientes como psicólogos que as crises fecham as famílias sobre si próprias, desenvolvemos o lema familiar de ir ao encontro das famílias e abrir a porta da nossa casa especialmente nos momentos de dificuldade.

As palavras do Santo Padre devolvem-nos a memória de que não foi o ato isolado de consagrar no dia do Matrimónio a nossa família que lhe conferiu e confere condições, por si só, para se ir reinventando, alegrando e perseverando, mas sim o ato contínuo de consagrar diariamente as alegrias e desafios desta família como parte de uma busca incessante e sempre inacabada do sentido maior do caminho. Estamos certos que a história da Graça da nossa família e de cada família e a sua força salvífica, está na capacidade deste ato contínuo de consagrar sonhos, esperanças, desgastes e limites, a uma busca maior…

“Dou graças a Deus porque muitas famílias, que estão bem longe de se considerarem perfeitas, vivem no amor, realizam a sua vocação e continuam para diante embora caiam muitas vezes ao longo do caminho.” (AL 57).

Sentimos que o itinerário proposto pelo Santo Padre na geografia da(s) família(s) é mais do que uma proposta de contemplação e acolhimento das suas dores… é uma interpelação tocante a uma Misericórdia Errante… Esta proposta de olhar chama-nos a acolher as crises, os desafios e as dificuldades dentro da família e face a outras famílias ao ritmo de uma busca por algo “mais além de nós mesmos e dos nossos limites” (AL 325), o Magis ansiado… E talvez para isso seja mesmo necessário reequilibrar o foco sobre estes dois pontos chaves da exortação, fazendo encontrar o que nos tocou em 2016 e o que nos toca agora: a Alegria e a Misericórdia… Sob pena de vivermos as virtudes e desgastes familiares com tom de Sexta-feira Santa, importa que nós, casais cristãos, saibamos guardar o bem precioso que é a alegria de ver e experimentar o mistério fascinante do mundo familiar, que escolhe acreditar no potencial de cada membro porque sim, porque tem em si a Alegria do Evangelho, e não a Alegria efémera dos acontecimentos felizes.

E porque recebemos de Graça pela nossa Fé este sentido de Alegria mais profunda e que nos impele a buscar ver além dos sofrimentos e dos cansaços, temos a missão de dar de graça testemunho dessa Alegria a todos e todas que mais precisarem!

Fotografia de Alberto Casetta – Unsplash

 

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.