A mulher, inferior ao homem?

Brigitte Bardot e Miguel Ângelo e… garantimos-lhe que nunca mais vai olhar da mesma maneira para a costela dos homens.

Brigitte Bardot e Miguel Ângelo e… garantimos-lhe que nunca mais vai olhar da mesma maneira para a costela dos homens.

1. Como mel para a boca

Para o filme que fez de Brigitte Bardot uma estrela internacional, Roger Vadim escolheu como título as palavras do segundo capítulo do livro do Génesis: E Deus criou a mulher (1956).


2. Um texto bíblico

O texto do Génesis não tem a pretensão de ser um relato histórico sobre a criação do homem e da mulher. De facto, a Bíblia até contém dois relatos distintos da criação do mundo. Estes textos querem, sim, transmitir-nos algo sobre o mistério da humanidade no seu aspeto constitutivo.

O SENHOR Deus disse: «Não é conveniente que o homem esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele.»
Então, o SENHOR Deus fez cair sobre o homem um sono profundo; e, enquanto ele dormia, tirou-lhe uma das suas costelas, cujo lugar preencheu de carne. Da costela que retirara do homem, o SENHOR Deus fez a mulher e conduziu-a até ao homem.
Então, o homem exclamou:
«Esta é, realmente,
osso dos meus ossos
e carne da minha carne.
Chamar-se-á mulher,
visto ter sido tirada do homem!»
Por esse motivo, o homem deixará o pai e a mãe, para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne.
Estavam ambos nus, tanto o homem como a mulher, mas não sentiam vergonha.

Génesis 2, 18 e 21-25


3. O esclarecimento

A Bíblia não é um livro cheio de conceitos incompreensíveis. Enraizada no mundo semita, a Bíblia recebe a sua força dos aspetos mais concretos da realidade. Um simples detalhe pode tornar-se uma janela para a profundidade. O que lhe propomos é que explore connosco um fragmento de sabedoria judaica e a perspicaz ironia dum bispo do século XVII.

 

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A criação de Eva (mosaico 1130-1140), Capela Palatina, Palermo

Fazendo eco à ideia que Deus utilizou uma das costelas do homem para criar a mulher, o rabino Josué de Siknin diz, de acordo com o Midrash* Rabba sobre o livro do Génesis, o seguinte:

«Quando Deus estava a ponto de criar a mulher, pensou para consigo:
Devo constitui-la a partir da cabeça de Adão? Não, que ela vai tornar-se orgulhosa.
Devo constitui-la a partir da língua de Adão? Não, que ela vai tornar-se demasiado faladora.
Das orelhas, então? Não, senão vamos tê-la atrás das portas sempre à escuta.
E a partir do coração? Também não, senão cederá passo à inveja.»

* A palavra Midrash vem do hebraico Deresh, que significa “perscrutar”, “compreender”.

Inspirando-nos no Midrash, poderíamos continuar:
Vou, pois, constitui-la a partir de uma parte particularmente íntima: a sua costela.
Não a constituirei a partir do peito para que ela não se sinta superior ao homem.
Também não a constituirei a partir das costas para que ela não pense que deverá sempre submeter-se à vontade do homem.
Vou constitui-la a partir de uma das costelas do homem para que eles percebam que estão chamados a viver juntos.

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Miguel Ângelo, A criação de Eva (fresco, 1509), Capela Sistina, Roma, Itália.

Jean-Pierre Camus (não Albert, Jean-Pierre!), teólogo e autor francês (1584-1652), escreveu, ele também, um comentário a esta passagem:

«E não cabe repreender as mulheres por uma qualquer fraqueza que possais imaginar em Eva. Sabei que Adão foi criado a partir do pó da terra, matéria pouco consistente; Eva, pelo contrário, foi constituída a partir de uma costela, matéria bem mais nobre e densa que a terra que pisamos. Porque se os homens são mais robustos de corpo, são também mais suscetíveis ao pecado.»

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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