Mais de cinquenta anos é História, menos é Política. Nesta perspectiva, a revolução de Abril está prestes a perder o estatuto de actualidade para passar a capítulo definitivo da vida do nosso país. O que se seguiu, no entanto, reflecte-se no quotidiano presente. O arranjo político pós-1974 deu ao país a segurança da estabilidade, um rumo europeu e a tão indispensável liberdade individual. Permitiu ao país acompanhar o mundo na globalização e espectacular melhoria das condições de vida no período entre a Queda do Muro de Berlim e a Queda das Torres Gémeas. Foi também a época de grandes políticos, Homens com elevado sentido de Estado, como se diz por aí, tão virtuosos como imperfeitos mas dignos na actuação política, pelo menos na percepção colectiva.
Mas após o 11 de Setembro algo se modificou.
A digitalização da sociedade alterou profundamente a forma de viver das pessoas, o mundo do trabalho, as relações pessoais, o acesso à informação e ao conhecimento e, sim, na política alterou a forma dos políticos fazerem a política. A vida acelerou exponecialmente. Estas conclusões não são, obviamente, novidade para ninguém. Existem escritos, diagnósticos vários, exaustivos e certeiros. Mas, na espuma dos dias em que vivemos, existe também muito cansaço. A percepção actual da política, em Portugal e no Mundo, é a de uma teatralidade constante, em que tudo o que se diz é uma construção artificial, com a banalização do uso da mentira, sempre com a finalidade de alcançar o objectivo mais imediato.
Mas, na espuma dos dias em que vivemos, existe também muito cansaço. A percepção actual da política, em Portugal e no Mundo, é a de uma teatralidade constante, em que tudo o que se diz é uma construção artificial, com a banalização do uso da mentira, sempre com a finalidade de alcançar o objectivo mais imediato.
No seu livro The Nineties, Chuck Klosterman sugere um evento como sendo muito mais importante, e decisivo, para o rumo da actuação política do actual século do que o já referido 11/09: a decisão das eleições americanas do ano 2000 chegou até ao Supremo Tribunal, e este pronunciou-se aberta e inequivocamente de uma forma partidária, e a maioria de cinco juízes conservadores derrotou a minoria de quatro juízes liberais. Um dos juízes derrotados escreveu: “Apesar de podermos nunca vir a saber com toda a certeza a identidade do vencedor das eleições presidenciais deste ano, a identidade do perdedor é perfeitamente clara. É a confiança da nação de que o juiz é um imparcial guardião do estado de direito.” (tradução livre)
Num instante o mundo mudou para uma realidade binária. No século XXI tudo passou a ser analisado numa perspectiva de que apenas existem dois lados para uma só questão. Ou somos contra, ou somos a favor. Ou somos vencedores, ou somos perdedores. Ou somos de direita, ou somos de esquerda. Os exemplos concretos, passadas duas décadas, são demasiados e os seus efeitos são incomensuráveis. Mas sem qualquer margem para dúvidas muito cansativos e desgastantes. Com tantas e tão profundas mudanças não é surpreendente a dificuldade de adaptação a novas realidades, mas surpreende verificar tanta incompetência na defesa da causa pública, do colectivo, das instituições e dos serviços públicos.
Onde estão os grandes políticos da actualidade? Onde estão os homens ou mulheres inspiradores de mudança ou de movimentos colectivos? Onde estão aqueles com capacidade de liderar através do exemplo ou da inteligência superior? Sinceramente não vejo um único.
Onde estão os grandes políticos da actualidade? Onde estão os homens ou mulheres inspiradores de mudança ou de movimentos colectivos? Onde estão aqueles com capacidade de liderar através do exemplo ou da inteligência superior? Sinceramente não vejo um único.
Por todo o mundo encontramos exemplos de que o uso da mentira é o maior legado que os políticos dos últimos vinte anos nos deixaram. Uns de forma mais despudorada, outros de forma mais subtil, a construção de narrativas passou a fazer parte do espectáculo da política. O virtual ultrapassou o real em todos os domínios. A guerra do Iraque terá inaugurado esta tendência e o auge aconteceu com a pandemia da Covid-19, onde a classe política mundial de mãos dadas com os media mergulhou decisivamente na condução dos destinos da sociedade baseada numa filtragem cuidadosa de factos misturada com o uso da fantasia.
Na primeira década deste século, na fulgurante era da blogosfera, também em Portugal a política era já discutida incessantemente com sob o jugo da polarização (uma palavra tão em voga) direita-esquerda. Sempre existiu essa dicotomia dirão muitos. Não com aquela nova voracidade e velocidade que a internet permitia. Mas, relembro bem, a minha atenção recaía invariavelmente para um certo tipo de escriba, aquele que denotava uma lealdade partidária acima de qualquer outra característica. Entrar na arena política significava vestir a camisola e não mais a despir, fossem quais fossem os sapos necessários de engolir. A mentira a sua arma de eleição. A dúvida das suas motivações sempre a mesma, desonestidade intelectual, ignorância básica ou puro interesse particular? Todos os partidos tinham nas suas fileiras pessoas com estas características.
Relembrar é viver, e a internet não esquece como um certo ex-primeiro ministro era endeusado e defendido, por muito certeiras ou objectivas as críticas de que era alvo. O líder tinha de ser defendido a todo e qualquer custo. A internet não esquece também como, mais tarde, a presunção da inocência passou a ser o maior dos direitos individuais acima de qualquer outro. Curiosamente, agora é ver alguns desses escribas por aí a tutelarem ministérios e secretarias de estado, ou por aí a saltar entre cargos vários, e a exibirem toda a sua incompetência e impreparação mas sem nunca ceder um milímetro que seja na defesa fiel do chefe e do partido. A nova geração não inspira renovada confiança, infelizmente. Não preciso ir mais longe do que referir o actual e anterior lideres da JS, ambos podem deter inúmeras capacidades que os distinguirão pela positiva no futuro, mas actualmente, a ambos reconheço no espaço público maioritariamente discursos absolutamente vazios e espúrios de conteúdo político mas cheios de afagamento dócil ao chefe e, mais uma vez, a apologia constante de que o partido está à frente de todas as prioridades.
Relembrar é viver, e a internet não esquece como um certo ex-primeiro ministro era endeusado e defendido, por muito certeiras ou objectivas as críticas de que era alvo. O líder tinha de ser defendido a todo e qualquer custo. A internet não esquece também como, mais tarde, a presunção da inocência passou a ser o maior dos direitos individuais acima de qualquer outro. Curiosamente, agora é ver alguns desses escribas por aí a tutelarem ministérios e secretarias de estado, ou por aí a saltar entre cargos vários, e a exibirem toda a sua incompetência e impreparação mas sem nunca ceder um milímetro que seja na defesa fiel do chefe e do partido. A nova geração não inspira renovada confiança, infelizmente.
E as alternativas, são melhores? Infelizmente são apenas face da mesma moeda. O maior partido da oposição não aparenta ser mais do que uma mera agremiação de grupos de interesse. Ao seu líder não se reconhece um pingo de carisma, uma ideia ou um pensamento que faça alguém sequer pestanejar ou esboçar um bocejo. O partido unipessoal que vocifera e grita o mais alto possível não consegue por um segundo que seja disfarçar o vazio do seu discurso. Os comunistas continuam religiosamente a aceitar que não pode haver mais do que uma opinião e os bloquistas a fingir que são ligeiramente diferentes e mais evoluídos, mas continuam ambos a não ser minimamente confiáveis. Até os liberais já demonstram estar mais preocupados com as grupetas e disputas internas do que os verdadeiros e nobres motivos que os fizeram chegar onde chegaram.
A grande maioria dos sujeitos activos no espectro político português do presente projectam ter uma prioridade, e apenas uma só, a defesa do partido acima de tudo. E assim de proteger a sua condição individual no jogo de xadrez dos lugares em busca de interesses particulares. As excepções são poucas e fracas.
E a mui falada sociedade civil? Não falo da maioria silenciosa e entorpecida pelos salários medianos e baixos, pela inexistência de perspectivas de sair da cepa torta. Falo sim dos empresários, dos funcionários públicos, de toda a comunicação social e de todos aqueles que diariamente lidam com a mentira como arma. Aqueles que lidam com as entidades do Estado e vêem e sabem da podridão existente nos negócios com e do Estado, das trocas de favores e influências entre cargos e instituições várias, dos processos ineficientes e antiquados dos serviços públicos. Porque não agem quando é o tempo de agir? Porque não falam quando é o tempo de falar? Mais uma vez temo que o interesse particular se sobreponha a um interesse maior e colectivo, mas mais difuso e difícil de vislumbrar.
A constante e incessante polarização da sociedade é uma realidade. A mentira a sua mais útil e maior ferramenta. Na política, na religião, nos nacionalismos. Anti-Putin ou Anti-guerra. Fascista ou Comunista. Ricos ou pobres. É um cansaço tremendo.
Nota: O autor escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.