Wimbledon 2022: um caso de discriminação?

Não sei se é a vitória de um atleta russo ou bielorusso num Grand Slam que será galvanizadora das tropas russas. A dita “influência mundial” pela vitória num torneio de ténis é, salvo melhor opinião, anedótica.

Foi no já longínquo dia 22 de abril de 2022 que o All England Club anunciou que os atletas russos e bielorrussos estariam proibidos de participar no Torneio de Wimbledon deste ano e que decorrerá entre os dias 27 de junho e 10 de julho. Já antes os tenistas russos e bielorrussos deixaram de poder participar sob a sua bandeira nos torneios internacionais. Hoje, aparecem com uma bandeira branca e como atletas “neutrais”. Esta é primeira proibição de participação de jogadores, com base na sua nacionalidade, desde o pós II Guerra Mundial, onde os visados foram alemães e japoneses.

Como primeiro argumento apresentou-se, desde logo, uma condenação das ações da Rússia. Depois, imperou, segundo consta, o objetivo de limitar ao máximo a influência mundial da Rússia, tendo-se por inaceitável a possibilidade de a Rússia ou a Bielorrússia poderem vir a retirar qualquer tipo de benefício do desempenho dos seus atletas nos torneios de ténis internacionais. Para Ian Hewitt, presidente do torneio, este não pode ser usado como ferramenta de apoio ao governo russo.

Que dizer de tudo isto?

Começando pela alegada condenação da guerra inaceitavelmente começada pela Rússia estou em crer que esta é melhor prosseguida de outro modo que não o de discriminar atletas num desporto individual, que pelo seu mérito fizeram por se poderem apresentar em torneios com o seu nome (mas agora sem a sua bandeira). E se o tema ainda pode ser discutível em competições, como os Jogos Olímpicos ou outros desportos coletivos, em que há uma maior carga nacional mas em que não se deixa, note-se, de excluir atletas que fizeram por estar presentes, num desporto individual os alvos são vítimas, tão só e apenas, da sua nacionalidade. Não será isto, pergunto, um caso de discriminação?

Não obstante a elevada importância que os ingleses dão ao “seu” torneio de ténis, não sei se é a vitória de um atleta russo ou bielorusso num Grand Slam que será galvanizadora das tropas russas. Também não me parece ser, digo-o com reservas claro, essencial para o esforço de guerra. A dita “influência mundial” pela vitória num torneio de ténis é, salvo melhor opinião, anedótica.

Atacando o ponto, não haverá modos mais eficazes e úteis de condenar, de facto, as ações da Rússia? Não será isto uma medida para inglês ver?

Em resumo, penso que apesar de ter um grande impacto visual esta “condenação” pode ter poucos efeitos práticos, contribuindo, ao invés, para o ressentimento de um povo e de pessoas que, podendo não estar com quem lidera o seu país, apenas se vê atacado na sua nacionalidade.

Reconheço que não seja possível, mas não é estranho que ao mesmo tempo que se discriminam atletas em razão da nacionalidade, se continue a pagar pela energia e gás oriundos deste mesmo país? Reconheço, repito, que não seja possível abandonar a dependência económica da Rússia, mas isso sim exigiria sacrifícios das populações ocidentais e isso sim teria um verdadeiro impacto no esforço de guerra. Isso sim, reforço, condenaria a Rússia por uma invasão ilícita de um país independente. Em resumo, penso que apesar de ter um grande impacto visual esta “condenação” pode ter poucos efeitos práticos, contribuindo, ao invés, para o ressentimento de um povo e de pessoas que, podendo não estar com quem lidera o seu país, apenas se vê atacado na sua nacionalidade.

Quanto ao querer-se evitar que o torneio seja usado como ferramenta de apoio ao governo russo, parece-me redutor encarar a eventual vitória de um atleta russo ou bielorusso como um apoio ao seu governo e às decisões de um ditador. Conclusão esta que se torna ainda mais desajustada quando muitos dos atletas visados, desconhecendo nós o risco que correm por afrontarem quem já deu provas de punir gravemente seja quem for que o contrarie, já apelaram ao fim da guerra.

Assim, tenho que concordar com a ATP (organismo que rege o ténis profissional) ao afirmar, num comunicado de 20 de maio, que “a possibilidade de jogadores de qualquer nacionalidade participarem em torneios com base no mérito e sem discriminação é fundamental para o Tour” e que “a decisão de Wimbledon de banir jogadores russos e bielorussos de competirem no Reino Unido compromete este princípio e a integridade do ranking ATP”. Decidiu-se, e bem, retirar a pontuação do torneio de Wimbledon do ranking ATP. Como se reforça nesse comunicado, isso nada tem a ver com uma condenação das ações da Rússia, que, obviamente, se mantém.

Estando nós perante um desporto individual esta decisão não visa um país, mas antes, e com especial acuidade, atletas que, pelo seu mérito, têm direito a participar nas competições e que nada têm a ver com as decisões de uma liderança autoritária. O mal deles não está, sequer, na sua opinião, mas antes, e tão só, na sua nacionalidade. Problema este que já transparecia da proibição de os atletas em causa não poderem ver a bandeira do seu país associada ao seu nome.

Esta é, na verdade, uma decisão que, na senda de outras, vem sendo tomada pelos mais diversos países e que, na minha modesta opinião, nada têm que ver com a guerra. Penso, por exemplo, no cancelamento de artistas russos em diferentes países ocidentais ou ainda na mais recente decisão do governo ucraniano de eliminar Tólstoi da cadeira de literatura internacional lecionada nas suas escolas. Claro que se pode dizer que a Rússia foi pioneira, numa decisão lamentável e condenável, de rever a história lecionada nas suas escolas. É verdade, e é absolutamente inaceitável, mas penso que as democracias não se podem reger pelos critérios das ditaduras.

Fotografia de Shep McAllister – Unsplash

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.