When ideas have sex – Da Páscoa ao Pentecostes

Porque razão é tão importante para mim o encontro, em geral e não só este em particular, para ter algo a dizer? A resposta é evidente: as ideias têm sexo e é dessa maneira que melhor se reproduzem.

No fim de semana que passou deveria ter estado ocupado com uma reunião entre companheiros jesuítas. Tal não sucedeu. O vírus fez das suas, atravessou-se-nos no caminho, e impôs-nos a sua condição de regulador atual de grande parte das nossas ações.

Era minha expectativa que neste encontro pudéssemos ter gozado o clima algarvio, ter posto a conversa em dia, tivéssemos cruzado opiniões e déssemos muito fruto para o futuro, nomeadamente matéria para este texto. Tudo ficou cancelado, semi-adiado. O vírus separou-nos. E eu quedei-me sem ter sobre que escrever.

Perguntei-me porque razão é tão importante para mim o encontro, em geral e não só este em particular, para ter algo a dizer. E a resposta é evidente: as ideias gostam de se multiplicar, mas para isso precisam de se cruzar. Dito de outro modo, as ideias têm sexo e é dessa maneira que melhor se reproduzem. Lembrei-me obviamente da genial Ted Talk de Matt Ridley, “When ideas have sex” que, já com onze anos, continua mesmo a valer a pena ser vista.

Dizia ele como conselho para a nossa conduta profissional, e para todos os aspetos da nossa vida, que tirássemos da cabeça a ideia de que somos génios, que génios há quatro ou cinco por milénio e os do milénio passado (sim, ainda sou desse tempo) já tinham ocupado meritoriamente as poucas vagas livres.

Ainda há muito mais tempo, o meu professor Sidónio Pardal ensinou-me uma grande lição que tento sempre não esquecer. Dizia ele como conselho para a nossa conduta profissional, e para todos os aspetos da nossa vida, que tirássemos da cabeça a ideia de que somos génios, que génios há quatro ou cinco por milénio e os do milénio passado (sim, ainda sou desse tempo) já tinham ocupado meritoriamente as poucas vagas livres. Pareceria então que nós estaríamos condenados à pura insignificância, à existência invisível numa História que nunca teria nada para afirmar acerca das nossas pessoas. Pareceria, se calhar até, que o destino ao fracasso se imporia como inevitável, pois a insuperabilidade seria a única e esmagadora possibilidade, um horizonte demasiado curto. Mas assim não é, e continuava o Prof. Pardal (quem, leitor de Tios Patinhas em pequeno, nunca ansiou ter um professor Pardal?): “Não se ponham a inventar porque essa é a tarefa dos génios. Aprendam antes a olhar para as ideias de outros e a usá-las, e a dominá-las e a misturá-las entre si. E a partir daí comecem a recriar coisas novas. Se o fizerem bem, serão muitíssimo bem sucedidos na vossa vida e nada vos faltará.”

Cada vez mais me convenço de que o Professor Pardal tinha toda a razão. É a olhar para os melhores que se pode aprender para se ir ainda mais longe. Isso implica dedicação no trabalho com outros, confronto de perspetivas e opiniões diferentes, abertura de coração e, sobretudo, humildade para nunca se colocar acima de quem nos está diante. As ideias, mesmo aquelas que à partida possam parecer estúpidas, podem ter algo que possa ser aproveitado e que se venha a tornar relevante. Tarefa difícil, portanto.

Se o encontro entre companheiros tivesse acontecido, certamente imensas ideias me ocorreriam para misturar, transformar e fazer brotar algo de luminoso e relevante nestas linhas. Mas não. Fechei-me em diálogo com meus próprios botões e, encaracolado, não fui nada longe.

Mas depois veio-me à cabeça a ideia mais genial de todos os tempos, essa que certamente tenho de reproduzir permanentemente, até que, de entranhada no meu ser, se torne modo de vida. Após a morte de Jesus, os discípulos fecharam-se em si mesmos. O medo era a única fonte de ideias monocórdicas que lhes podiam passar pela cabeça. O insucesso era a marca inafastável encastrada no seu futuro. Talvez, até, estivesse cravada em forma de cruz. Nunca, cobertos por esse véu de obscuridade, se lembrariam de reconhecer a genialidade da ideia que Deus teve de se fazer um de nós, pela sua incarnação. Como se isso não bastasse, copiou-nos esta ideia meia tola, pela dificuldade que sempre nos traz, de morrer, também como nós tão bem o fazemos. E isto é genial!! Os discípulos nunca tal poderiam reconhecer porque tudo isso pareciam ideias mortas, tão mortas quanto o seu Senhor, fechadas e sepultadas em seus corações.

Então surge alguém de fora a anunciar a boa notícia: Jesus ressuscitou! A reação é inicialmente de pavor e transtorno. Não é possível a alguém ter esta ideia. Vai para lá de qualquer limite tolerável, ter estas ideias!

Só que a Deus nada é impossível. E ainda, com uma grande agravante: o que Deus pensa, já é palavra. E essa palavra já é ato. Logo, a ideia de ressuscitar é uma realidade. Aos poucos vai-se revelando de forma sempre mais evidente. A partir dessa realidade todas as ideias ficam marcadas por uma nova esperança, misturam-se e entendem-se todas as línguas, rejubilam todos os povos, salva-se cada ser vivo.

Se as ideias têm sexo, se multiplicam e geram um novo mundo, é porque Deus, genialmente, viveu a grande ideia de nos dar a vida e a vida em abundância.

Felizes os que o reconhecem. Ainda mais felizes os que O copiam.

Fotografia: Representação do êxtase Místico de Santa Teresa

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.