Voltamos mais ricos, mais inteiros?

Se as férias permitem viajar, voltamos mais ricos, inteiros. Mais capazes de entender a diversidade do mundo, tolerantes perante as diferenças, desejosos de cultivar o bom e o belo. Com outra consciência do drama da guerra que destrói tudo.

Quando as férias permitem viajar, somos levados a descobrir outras terras, outras gentes. E, por muito que nos seduzam com destinos exóticos e distantes, a nossa Europa, antiga, vista e revista, destruída e reconstruída, cristianizada e descristianizada, permanece linda, cheia de cantos e recantos, de paisagens que quase nos sufocam de beleza e de espanto.

As velhas igrejas, quando não fechadas, abandonadas ou transformadas em casas, livrarias ou cafés, continuam a ser espaços de silêncio, de paz, de encontro. A arte dos vitrais, da pedra talhada, da austeridade ou da opulência da talha dourada, trazem-nos olhares surpresos e fascinados. Altar após altar, todos contam uma história, uma devoção, um encontro. É a sede de Deus que percorre o tempo e preenche o coração de cada homem, de cada mulher ao longo do tempo. Por vezes, escuta-se um órgão antigo ou alguém que canta. E percebemos, reconhecidos, que somos gente criada para mais e melhor.

Os campos cultivados revelam as cores da terra que mata a fome. As casas são todas diferentes, telhados inclinados que nos falam da neve e do frio, telhados de colmo, como nas histórias da nossa infância, telhados pretos, vermelhos, cores esbatidas pelo tempo. Com paredes de pedra, paredes pintadas, paredes cobertas de folhas verdes. Com janelas de madeira antiga e descuidada e outras que brilham ao sol, de tão novas que são. E jardins imensos, relvados cuidados e jardins pequenos, cheios de rosas, de trepadeiras, e arbustos. Há jardins escondidos por detrás de muros altos, mas tantos e tantos, estão à vista para deleite de quem passa e se surpreende com tanto. As autoestradas, cheias de carros e longos camiões, levam-nos a arranha-céus, prédios altos, também todos diferentes. À noite, as luzes acesas revelam vidas arrumadas em pequenas ou largas janelas.

É a sede de Deus que percorre o tempo e preenche o coração de cada homem, de cada mulher ao longo do tempo. Por vezes, escuta-se um órgão antigo ou alguém que canta. E percebemos, reconhecidos, que somos gente criada para mais e melhor.

Há vilas e cidades, aldeias e lugares. Com flores nos canteiros e árvores secas de velhas. As marinas estão cheias de barcos e gente ruidosa, na aparência feliz de férias desejadas. Nas vilas mais pequenas, apenas uma farmácia, um mercado, uma capela. Há cidades imensas, cheias de estradas, de túneis, de sentidos proibidos, de passeios, de movimento. Nas aldeias, descobrem-se tabuletas que anunciam vendas. Grandes cruzes de pedra lembram guerras passadas e há sempre flores ali deixadas. Nas cidades, o trânsito ocupa as ruas, as gentes passam apressadas, talvez para o trabalho ou algum encontro.

Por todo o lado há famílias que se movem a pé, de bicicleta, de mãos dadas, em caravanas e carros carregados de malas e mochilas e sacos e casacos, para uma chuva inesperada ou o frio de uma manhã enublada. Casais apaixonados avançam pelas ruas, como se andassem sem destino, sem horas, sem nada, apenas os beijos trocados numa solidão só deles. As crianças andam à frente dos pais, ligeiras e felizes. Para elas, há sempre a possibilidade de um presente, de um gelado, de uma surpresa.

E existem os museus. As longas filas, suportadas numa tranquilidade inesperada. Para ver um quadro, uma tapeçaria, uma jóia de valor incalculável. Um quarto de reis e rainhas, uma mesa posta, porcelanas pintadas por mãos de artista, brocados antigos e pesados, tecidos transparentes, rendas preservadas ao longo de séculos. Museus cheios de gente que ouve em silêncio, explicações ditas em todas as línguas. Gente que quer ver e saber e gente que tira fotografias, partilhadas a todo o instante. E as crianças circulam livremente ou suspensas, no colo seguro de mães atentas. Os pais levam em ombros os filhos já cansados. Parecem ondas que esperam, entram, param e seguem em frente, na pressa apressada de quem quer ver mais e mais e mais. Outros deixam-se ficar quietos, sem tempo, sentados na frente de um rosto, uma história, um campo, um ramo de flores, um barco, uma praia, uma batalha, Cristo na cruz, Jesus menino e santos, tantos santos.

Museus, lugares diferentes, únicos, desafiantes, porque nos colocam perante a beleza, o engenho e a arte de quem conhecemos o nome, a vida e pouco mais. Mas o que seria do mundo sem estes lugares, onde somos confrontados com uma outra eternidade, aquela que perdura intacta na pureza do belo?

Museus, lugares diferentes, únicos, desafiantes, porque nos colocam perante a beleza, o engenho e a arte de quem conhecemos o nome, a vida e pouco mais. Mas o que seria do mundo sem estes lugares, onde somos confrontados com uma outra eternidade, aquela que perdura intacta na pureza do belo? O que seria do mundo, sem a sua história contada em telas pintadas, em pedras talhadas, em mármores polidos, em madeira talhada e revestida de ouro e prata? O que seria do mundo, sem a criatividade da arte, o fascínio das capacidades de tantos, que em tudo ultrapassam a normalidade da vida e dos dias? Bem sei que existem coleções privadas, leilões feitos no segredo de poucos, a arte escondida para deleite de alguns. Mas os museus abertos ao mundo, são tesouros inestimáveis que merecem todas as visitas, todas as gentes.

Quando as férias permitem viajar, voltamos mais ricos, mais inteiros. Mais capazes de entender a diversidade do mundo, mais tolerantes perante as diferenças, mais desejosos de cultivar o bom e o belo, na rotina dos dias que volta. Regressamos reconhecidos na nossa fé, porque confirmados na certeza da busca da humanidade por Deus, na construção de catedrais, igrejas, capelas, oratórios, cruzes de pedra à beira das estradas. na beleza de um quadro, de uma escultura, de uma música inesperada que se escuta e sente. Regressamos gratos pela paz que permitiu reconstruir cidades, igrejas e capelas e recuperar peças de arte, abrir museus, circular por caminhos, ruas e estradas.

Regressamos com outra consciência do drama da guerra que, neste momento, destrói de novo, tudo por onde passa. Rezemos pela Paz. Todos os dias. Sem cessar.

Fotografia: direitos reservados Eugénio Canotilho

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.