A convocação de eleições para janeiro tinha colocado António Costa com a faca e o queijo na mão. Aparentemente, o PS seria o partido mais votado, o que somado à disponibilidade do PSD de Rui Rio para viabilizar um governo PS, faria com que aquele tivesse somente de esperar o resultado das eleições para, então sim, decidir se preferia o apoio da esquerda ou do PSD.
Contudo, qual novela mexicana, algumas sondagens começam a sugerir um empate técnico entre PS e PSD. E se Rui Rio admite viabilizar um governo PS, o que faria António Costa na situação inversa? Nem o primeiro-ministro nem o PS responderam, deixando a questão para depois das eleições. Desta forma, e estranhamente, o eleitorado não tem o direito a saber com o que contar. Os analistas disseram então, e com sentido, que António Costa queria manter todas as opções em aberto para, chegado o momento, decidir. Nessa eventualidade, ou se unia novamente à esquerda ou se apoiava no PSD.
Entretanto, e talvez pensando no que aconteceu em Lisboa, mudou de estratégia: em vez de alimentar o tabu pós-30 de janeiro, opta agora por “pressionar” o eleitorado de centro dizendo que se demite caso o PS não ganhe as eleições. Parece, portanto, que está respondida a pergunta que se levantou: se o PSD for o partido mais votado, António Costa sai de cena. Não parecendo viável esperar que a extrema-esquerda viabilize um governo do PSD, a única saída possível será uma geringonça 3.0.
Num contexto em que António Costa se exclui do campo de decisão política, parece que a única pessoa capaz de assegurar condições mínimas de governabilidade é Pedro Nuno Santos, que, dizia sem meias palavras, que Portugal não devia pagar a dívida. Aqui chegados, não deixa de ser curioso que o antes arisco ministro está, hoje, mais defensor do partido e de António Costa. E não deixa de ser curioso notar que, junto dos parceiros da esquerda já se tinha insinuado que talvez com outros protagonistas o orçamento não teria sido chumbado. Se assim for teremos o governo mais à esquerda da nossa história, sem que o eleitorado seja assim tão de esquerda.
O descontentamento com o governo é, hoje, suficientemente grande ao ponto de os portugueses começarem a duvidar do governo de António Costa. A alternativa, porém, não parece ser boa o suficiente para capitalizar esse descontentamento.
Paradoxalmente, mas fruto do contexto atual e da pressão intencional de António Costa, parece que para o eleitor moderado de direita é preferível que o PS ganhe as eleições. Nesse caso há um governo chefiado pela ala moderada do PS, viabilizado pelo PSD. Donde, ainda vai ser o PS de António Costa a ir buscar votos ao PSD e não o PSD a ir buscar votos ao centro-esquerda.
Apesar de, obviamente, esta não ser a solução perfeita para o eleitor comum do PSD é, seguramente, a menos má. A opção, genial diga-se, que António Costa coloca aos eleitores moderados é entre um governo do PS liderado por si e viabilizado por Rui Rio, ou, presumivelmente, um governo do PS liderado por Pedro Nuno Santos (que António Costa reconheceu aprovar como futuro Primeiro Ministro) e apoiado pela extrema esquerda.
Apesar de, aparentemente, o eleitor de centro direita moderada preferir, em si, Rui Rio a António Costa, esta não é, realmente, uma opção. Se se querem evitar loucuras de extrema esquerda é melhor votar em António Costa que depois logo decidirá pelos eleitores se se alia à esquerda ou se permite que o PSD o apoie. Mas isso, o eleitorado não tem o direito de saber já.
Por tudo isto não deixa de ser curioso que é com o medo da alternativa dentro do próprio partido que acho que António Costa quer captar votos, e não com uma afirmação positiva das políticas que o PS tem para o país. Se António Costa ganhar é certo que se evitam certo tipo de devaneios que a extrema esquerda quer para o país. A estratégia é, na minha modesta opinião, genial. Não deixa, porém, de revelar as vistas curtas da nossa vida política nacional.
Sumariando, cremos que com tudo isto se percebe que o descontentamento com o governo é, hoje, suficientemente grande ao ponto de os portugueses começarem a duvidar do governo de António Costa. A alternativa, porém, não parece ser boa o suficiente para capitalizar esse descontentamento. A consequência: um impasse. No final, o mesmo de sempre: Costa aproveita.
Mas o futuro não tem de ser necessariamente assim. Dando espaço a uma especulação: o que aconteceria se houvesse uma maioria parlamentar de direita, em que esta pudesse viabilizar um governo? Será que se conseguiria colocar o PS entre a espada e a parede, “forçando-o” a viabilizar um governo de direita sem o Chega? Ou assistiríamos a um outro momento de “génio”? Porque a pergunta subsiste: se António Costa mantiver a intenção de se demitir, quem assumiria o fardo inverso ao que Rui Rio já aceitou suportar?
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.