Vigiai!

Ao começarmos o Advento, talvez valha a pena enchermos as nossas candeias do azeite capaz de reacender a luz da esperança. Para estarmos vigilantes, para cuidarmos, para acolhermos.

Estamos a entrar de novo em tempo de Advento. Há muito que o comércio e a publicidade nos matraqueiam com as suas propostas natalícias, com descontos irrecusáveis, com as melhores prendas e as mais saborosas iguarias para vivermos da melhor forma uma festa que dois meses antes já parece estar à porta… E, no entanto, a liturgia convida-nos, logo neste 1º Domingo do Advento, a deixarmos as nossas certezas, os nossos planos demasiado fechados, as nossas agendas apinhadas de trabalho e eventos, para nos abrirmos à surpresa da vida e à surpresa de Deus: “Acautelai-vos e vigiai, porque não sabeis quando chegará o momento” (Mc. 13, 33”). O excerto que nos é dado a ler e escutar (Mc. 13, 33-37) repete, em poucos versículos, nada menos do que quatro vezes, o verbo vigiar, e três delas como exortação e grito: vigiai!

Nos domingos anteriores, ainda com Mateus, ouvíamos diversas parábolas que se encaminhavam neste sentido: a das virgens prudentes e das virgens insensatas, que aguardam a vinda do esposo; a dos servos a quem foram dados talentos até à vinda do seu senhor; e a do rei que, vindo a julgar os Homens no final dos tempos, lhes pergunta pelo amor posto no cuidado com os mais pequeninos. Em muitas outras passagens do Evangelho Jesus apela à vigilância: a uma vigilância do coração, para discernirmos onde temos o nosso tesouro; uma vigilância no sofrimento e na obscuridade, nas vésperas da paixão, no apelo a não se deixar vencer pelo mal e permanecer na fidelidade; uma vigilância na oração, feita de prece e desejo, de escuta e de entrega. A tradição orante que Jesus e a Igreja acolhe relembra também esta vigilância como espera e procura: a alma que espera no Senhor, mais do que as sentinelas pela aurora; o crente que se sente sedento de Deus, como a terra seca ou a corça na expectativa das águas abundantes…

Em muitas outras passagens do Evangelho Jesus apela à vigilância: a uma vigilância do coração, para discernirmos onde temos o nosso tesouro; uma vigilância no sofrimento e na obscuridade, nas vésperas da paixão, no apelo a não se deixar vencer pelo mal e permanecer na fidelidade; uma vigilância na oração, feita de prece e desejo, de escuta e de entrega.

Muitas vezes entendemos esta espera e esta vigilância como algo de passivo, que nos retira da intervenção no mundo. Muitas vezes se apresentaram a contemplação e a ação como paradigmas ou opções antagónicas. Os textos que evocámos e o Evangelho que nos é dado a meditar neste início de Advento dizem-nos outra coisa. Ao ato de vigiar associa-se a atenção, o estar desperto e disponível para ler os sinais que anunciam a chegada do dono da casa, e, subentende-se, o desejo sempre de o acolher na inteireza da vida, da nossa liberdade e da nossa vontade.

E isto é tanto mais necessário quanto o dono da casa, o esposo, o rei, vem quando menos se espera. Entra e cruza a nossa vida de formas muitas vezes insuspeitas, e só um olhar, um coração treinado, vigilante, consegue perceber a sua passagem e a forma como se faz presença e companheiro no caminho. “Senhor, quando é que te vimos com fome e Te demos de comer, ou com sede e te demos de beber?”. O Senhor escondera-se nos mais pobres, nos mais pequeninos dos irmãos, e sentiu-se acolhido e reconhecido precisamente quando os Homens souberam acolhê-lo, usaram de misericórdia e compaixão, reabilitaram, curaram. O Senhor sentiu-se reconhecido quando os seus servos souberam reconhecer o talento, o dom recebido e procuraram a partir dele um caminho de plenitude. Deus não se reconheceu no medo do servo que enterrou o seu dom mas sim na ousadia criativa do dom que se multiplicou e deu fruto abundante. Deus deixa-se acolher pelos que aceitam viver, mesmo na noite, na escuta do desejo, nessa esperança que sabe que o Senhor é fiel e sempre vem ao seu encontro.

Deus não se reconheceu no medo do servo que enterrou o seu dom mas sim na ousadia criativa do dom que se multiplicou e deu fruto abundante. Deus deixa-se acolher pelos que aceitam viver, mesmo na noite, na escuta do desejo, nessa esperança que sabe que o Senhor é fiel e sempre vem ao seu encontro.

Se da sua última vinda nos vem a confiança de que a Deus pertence a História, e que, como em Jesus, a última palavra não é dada à morte ou ao sem sentido mas à vida plena, percebemos também que é no concreto da nossa vida, da vida de cada um e de cada uma, que Deus vem, por vezes onde não o esperamos ver ou onde com mais dificuldade o reconhecemos. Quais serão hoje as obras de misericórdia, o pobre ou o mais pequenino onde Deus vem ao nosso encontro? Saberemos escutar o grito dos mais pobres e frágeis, dos que estão nas franjas do mundo da abundância ou procuram um sentido para a sua vida? Temos o coração sensível às vítimas dos abusos e injustiças, da exploração desenfreada e da devastação dos recursos naturais? Estamos dispostos a acolher Deus que nos bate à porta nas margens das vidas sofridas?

Ao começarmos o Advento, talvez valha a pena enchermos as nossas candeias do azeite capaz de reacender a luz da esperança. Para estarmos vigilantes, para cuidarmos, para acolhermos. A surpresa de Deus que se faz Homem no anonimato e na pobreza, relembra-nos todos os anos como podemos sempre recomeçar, reanimar a esperança, voltar a sonhar com os novos céus e a nova terra que nesse Menino se mostram como utopia e possibilidade. Bom Advento!

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.