O mundo das redes sociais on-line é relativamente recente, mas assaltou-nos de um modo irreversível. Os chamados smartphones, com ecrãs tácteis e internet constante, por Wi-Fi ou rede 3 ou 4G, chegaram há cerca de uma década, mas o seu uso revolucionou as nossas vidas. Dados estatísticos apontam para o acesso a sites cada vez mais feito através dos telemóveis, em detrimento dos computadores. Os algorítmos dos gigantes dos motores de pesquisa valorizam cada vez mais a versão mobile, sobretudo as que estão aliadas à rapidez, que não há tempo a perder. Aliás, as mudanças são feitas a ritmos alucinantes e cada update das nossas apps está desenhado para trazer um maior engagement, o que é o mesmo que dizer que nos “agarram” cada vez mais. E isso vê-se.
Das filas de espera do supermercado aos transportes públicos (já para não dizer durante a condução de um automóvel, que é uma triste e bem visível realidade), o acesso constante ao telemóvel é omnipresente. A maior parte das vezes não para ler jornais, artigos ou blogues – que ao longo desta década passaram a relíquia histórica -, mas para fazer uma actualização das redes sociais, quem publicou o quê, quem gostou ou comentou a minha publicação.
Cada qual usa as redes como quer e, em qualquer uma delas, quanto mais interagimos com determinado tipo de conteúdo, mais esse conteúdo nos surge. Isso acaba por fechar-nos num universo bastante restrito e empobrecido, retroalimentados pelo que também damos, crentes de que a nossa visão do mundo é a geral. Conhecemos as fortes repercussões a nível político e social que estas questões levantaram, mas foco-me noutra: a da comunicação que fazemos das nossas vidas.
A nossa exposição pública – pessoal, familiar, profissional, dos filhos – passa pelas redes, ao estilo: publico, logo existo. Há quem diga que as redes sociais são, a uma escala global, a praça central de uma aldeia, onde se contam as novidades, boatos e episódios da vida dos habitantes do burgo, com a diferença de que a internet não esquece e há que tomar isso em consideração. Pululam as contas, mais ou menos fraudulentas (comprando gostos) de “influenciadores”, gente que faz do product placement fotografado um modo de vida – encenado, embelezado, inventado.
Em última análise, tentamos que a nossa própria existência se pareça com a ficção, contribuindo para a perpetuação desta lógica do parecer.
Entre o que é comunicado nas redes sociais e a realidade há um oceano de separação. Mas esse oceano é perigoso. Os riscos não são visíveis a olho nu, o que não os torna menos fatais. A título exemplificativo, o número de suicídios adolescentes nos EUA dispararam nos últimos anos e estão associados à pressão sentida pelas vítimas através das redes sociais. O brilho das vidas virtuosas e perfeitas, partilhadas on-line, ofuscam-nos e facilmente nos levam a perder o sentido crítico. Em última análise, tentamos que a nossa própria existência se pareça com a ficção, contribuindo para a perpetuação desta lógica do parecer.
Há espaço para apps, actualizações e partilhas em filas de espera (desde que não estejamos a conduzir). Mas esse espaço não se pode sobrepor ao da reflexão crítica e de presença, face a face com o outro. O animal social que somos é tridimensional – e racional – e esse tipo de interacção é o que nos preenche e nos descomprime da pressão que sentimos todos, adolescentes ou não.
Tenhamos em mente que as ficções não passam disso, por muito reais que possam aparentar ser. Ensinemos os nossos filhos a separar o trigo do joio, apetrechando-os de um olhar crítico, capaz de desmontar o que está por detrás do brilho do que é partilhado on-line. E saibamos dar o exemplo, olhando a realidade de frente, com toda a complexidade e não apenas a mera bidimensionalidade de um pequeno ecrã.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.