A “nova” tradição de reconhecimento dos chamados Estados-Nação europeus, surgida no séc. XVII, inaugurou indubitavelmente um período de estabilização e consolidação dos modernos conceitos de Estado, que teve o seu apogeu com a chamada “paz de Vestfália”. Em certa medida, desde essa época as relações entre os Estados, com lamentáveis excepções, passou a fazer-se com maior respeito pelas soberanias e consequentemente pelos seus povos.
O dealbar da Segunda Guerra Mundial, no final da primeira metade do Séc. XX, e o ímpeto expansionista germânico, veio, no entanto, colocar em causa essa paz “Vestefaliana” culminando com um conflito, a todos os títulos, destruidor.
Como em todos os ciclos de destruição, após o seu termo, abre-se quase sempre uma janela de oportunidade para a reconstrução.
Foi assim no final da II Guerra Mundial com a declaração Schuman que inaugurou uma nova era de “reconstrução” ou construção europeia: “A Europa não se fará de uma só vez, nem de acordo com um plano único. Far-se-á através de realizações concretas que criarão, antes de mais, uma solidariedade de facto.” E é assim que terá que ser no final deste ciclo de destruição pandémico. Em face da magnitude dos problemas que pairam sobre nós – saúde pública, alterações climáticas, transição digital, migrações, desafio demográfico, combate às desigualdades, à pobreza e à exclusão – só a solidariedade entre os povos e as nações poderá responder aos desafios e perspetivar um futuro condigno.
Como em todos os ciclos de destruição, após o seu termo, abre-se quase sempre uma janela de oportunidade para a reconstrução.
A globalização económica que temos assistido ao longo dos Séculos XX e XXI tem andado sempre à frente da globalização política estratégica, o que conduz a que os Estados e a política sejam mais reativos do que pró-ativos na defesa dos interesses dos seus povos, sendo que como é bom de ver, nem sempre os interesses económicos se conjugam harmoniosamente com os interesses da coletividade. No entanto, as recentes notícias que dão conta de um entendimento dos Ministros das Finanças do G7 (onde participam importantes países europeus como Alemanha, França e Itália) acerca da fixação de uma “solução equitativa na atribuição de direitos tributários, com os países do mercado a conceder direitos tributários sobre pelo menos 20 por cento do lucro, excedendo uma margem de dez por cento para as maiores e mais lucrativas empresas multinacionais”, não pode deixar de ser considerada uma notícia boa que nos aponta para direção certa.
Por outro lado, temos assistido à conquista do “espaço global” pelo bloco asiático chinês, sem que a Organização Mundial do Comércio tenha conseguido eficazmente implementar um código em que a dignidade humana sobretudo em contexto de mercado de trabalho seja uma realidade visível. O bloco norte-americano começa a dar sinais de nova abertura à comunidade internacional, e a abrir caminho a que as economias da América do Sul possam também dar passos tendo em vista a modernização e a dignificação da pessoa humana. O bloco africano tem-se mostrado incapaz de resolver problemas estruturais que demorarão tempo e gerações a ultrapassar, e o bloco de leste europeu e a política do Presidente Putin também não dão grandes garantias quanto ao primado da solidariedade para resolução dos problemas globais.
O bloco europeu, depois da crise das dívidas soberanas na sequência da crise financeira originada a partir da queda do Lehman Brothers, esteve perto de se desintegrar, o que colocou à evidência a fragilidade original da construção da moeda única, da união económica e monetária. Os sinais dados com a recente resposta europeia à crise pandémica, e com a presidência portuguesa da União Europeu, nomeadamente a cimeira social do Porto, fazem antever algum otimismo no que parece ser uma inevitabilidade. Ou a União Europeia dá passos no sentido de melhorar e aprofundar a integração política, ou corre o sério risco de se desintegrar, voltando ao “orgulhosamente sós” de que alguns vão manifestando saudades…
Os sinais dados com a recente resposta europeia à crise pandémica, e com a presidência portuguesa da União Europeu, nomeadamente a cimeira social do Porto, fazem antever algum otimismo no que parece ser uma inevitabilidade.
Quanto a nós, que despertamos para a realidade política no pós-Maastricht, a cidadania europeia é uma qualidade que já nos corre nas veias, a par da nossa nacionalidade. Ou seja, é impossível dissociarmo-nos da nossa dupla cidadania, no caso, europeia e portuguesa.
Desta forma não conseguimos conceber um Portugal moderno e com futuro sem a pertença a uma Comunidade de Estados, como a União Europeia, que pese embora alguns avanços e recuos, tem colocado valores como a solidariedade, a paz e a dignidade humana no topo da agenda.
Um bloco europeu coeso, que afirme a nível global os seus valores fundacionais faz muita falta ao equilíbrio global e à agenda necessária a implementar em todo o globo para enfrentar os desafios que pairam sobre nós. Como tal, por tudo o que já se referiu acima, só vislumbramos um caminho, aprofundar a integração política ao nível da União Europeia.
A Comissão Von der Leyen deu indicações importantes e, em nosso entender, positivas para se fazer um pacto europeu mais alargado sobre o futuro da Europa. A “Conferência sobre o Futuro da Europa”, num impulso de ouvir os cidadãos europeus, numa discussão que começa pela base legitimando as decisões políticas futuras (ao contrário do que muitas vezes parece ter acontecido no passado, em que as decisões são privilégio quase exclusivo da cúpula), parece-nos um caminho que vale a pena percorrer. Participemos enquanto cidadãos europeus nessa discussão e aceitemos o repto da presidente da Comissão Europeia: “As pessoas têm de estar no centro de todas as nossas políticas. Por isso, desejo que todos os europeus contribuam ativamente para a Conferência sobre o Futuro da Europa e desempenhem um papel de liderança na definição das prioridades da União Europeia. Apenas em conjunto conseguiremos construir a nossa União de amanhã.”
Esta conferência é um primeiro e significativo passo, mas para a União ter futuro amanhã os cidadãos europeus não podem ter receio em dar novos passos em frente… Passos em frente significa termos um sistema intermédio que caminhe para o federalismo europeu. A eleição do Parlamento Europeu, pelos cidadãos da União não basta, seria em nosso entender positivo nesta fase criarmos condições para @Presidente da União Europeia poder ser eleit@ diretamente pelos cidadãos. Tal permitiria o surgimento de candidatos que tivessem que afirmar projetos e objetivos da construção europeia e a definição de propostas de ação política, supra-nacionais, relativizando a importância dos Governos Nacionais no processo de nomeação da Comissão enquanto órgão executivo da UE e fortalecendo a legitimidade popular direta na afirmação de uma agenda comum.
Uma união económica e monetária não chega… Citando o incontornável europeísta Jacques Delors: “a Europa necessita de uma alma”.
A globalização económica, paradoxalmente, tem provocado um certo nacionalismo exacerbado, afirmando um certo individualismo exagerado que tem ganho terreno em todas as sociedades, o que prejudica as democracias europeias e nacionais na construção de uma agenda comum que responda aos problemas que individualmente ninguém jamais conseguirá combater ou resolver.
Para já, tempo aos cidadãos europeus, participemos na Conferência sobre o Futuro da Europa!
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.