Uma Campanha Alegre

Perante a atomização partidária e a repartição de votos que as sondagens vão mostrando, suspeito que os resultados do dia 30 não esclareçam grande coisa. Vêm aí tempos interessantes.  

A Leste, o senhor Putin testa a paciência da “europa” e dos Estados Unidos da América – e por decorrência, da OTAN – numa espécie de guerra fria requentada. No mundo, além da interminável pandemia que continua a merecer a fidelidade dos jornais e televisão, sucedem-se calamidades sortidas. No remanso nacional, quase Austeniano, as últimas semanas têm servido para mostrar as almas que se candidatam a representar o povo em São Bento.

O meu ceticismo quanto à duração dos debates televisivos foi vencido rapidamente. Limitados a um tempo útil de 12 ou 13 minutos, os contendores tiveram de abrir mão dos habituais circunlóquios e recriminações mútuas, em favor da explicação sintética sobre o que se propõem fazer para salvar a pátria. Verdade que houve tempo para momentos pouco edificantes. Ainda assim, é uma medida higiénica que se recomenda.

O medo costuma ser uma arma eficaz na política. Os chefes partidários, talvez pouco confiantes na valia dos seus “programas”, não se cansaram de invocar fantasmas. À esquerda, brande-se com o medo de uma coligação de direita que pode incluir o CHEGA. À direita, aposta-se em denunciar a repetição de uma “geringonça” cujo falhanço esteve na origem de eleições antecipadas. O recurso a espectros e ao medo – fundado ou imaginário – não deixa de ser uma forma medíocre e canhestra de procurar apoio.

O medo costuma ser uma arma eficaz na política. Os chefes partidários, talvez pouco confiantes na valia dos seus “programas”, não se cansaram de invocar fantasmas. À esquerda, brande-se com o medo de uma coligação de direita que pode incluir o CHEGA. À direita, aposta-se em denunciar a repetição de uma “geringonça” cujo falhanço esteve na origem de eleições antecipadas.

O PS e António Costa tiveram, até ao momento, a vida bastante facilitada. Com os últimos dois anos dedicados no essencial à COVID, à vacinação e a discussões de políticas de restrição e relaxamento económico e social, o dirigente socialista, talvez com a exceção do tema TAP, pouco ou nada foi incomodado por adversários e jornalistas. No caso daqueles, percebe-se. Criticar as medidas destinadas a “combater” – sempre o linguajar castrense – a maleita pode gerar pouca empatia. De resto, não se vislumbrou uma ideia de futuro para o país, políticas novas ou úteis ou sequer algo que vá além do que estava previsto no orçamento chumbado. O que Costa pretende é uma maioria absoluta. Se teve medo de a pedir, já não tem. A repetição de uma geringonça não lhe interessa nada.

Rui Rio tem ensaiado um método novo para ganhar eleições: passeia uma bonomia postiça e distante nos debates – exceto com Costa –, aparentando um ar blasé e introduzindo a ridicularia animal sabe-se lá com que objetivo. A par desta bizarria, tenta passar a imagem de um homem genuíno que não promete o que não pode cumprir. Um político de contas certas. Rio é frequentemente o pior inimigo dele próprio. Não são raras as intervenções cujo resultado é o desastre. No fundo, tem mostrado aquilo que já se suspeitava: é um contabilista. Resta saber se o medo do desvario com os gastos públicos ainda arregimenta votos. É esta a alternativa que os portugueses têm à disposição. Suspiro.

À esquerda do PS, o BE e o PCP afadigam-se a afastar o cálice da culpa da crise política e a culpar o antigo parceiro de coligação. Simultaneamente pedem à população que lhes concedam votos para… uma nova “geringonça” com o PS. O BE procura evitar ser ultrapassado pelo CHEGA e manter, de caminho, a influência num futuro acordo com o PS e os comunistas. A CDU, cujo declínio ficou patente nas últimas autárquicas, contará certamente com os votos dos fiéis, pelo menos para não piorar o que já é mau. As propostas de ambos, como habitualmente, não desiludem: constituem sempre boa matéria de ficção. Histórica no caso da CDU; científica, no do BE. Quanto às agressões em tempo de campanha pouco ou nada valem no dia seguinte às eleições.

Os esforços de conservação de uma espécie em vias de extinção causam simpatia e alguma comoção. No caso do CDS – partido que verdadeiramente nunca entendi –, a luta pela sobrevivência foi precedida por purgas internas e um quase hara-kiri. O que levanta a questão de saber como é que o atual dirigente do partido quer angariar votos quando não conseguiu sequer manter na agremiação algumas das pessoas mais bem preparadas e úteis que ali se filiavam. A sofreguidão do Dr. Rodrigues dos Santos nos debates não bastará para evitar a extinção ou a irrelevância.

Um país pobre e periférico, parco em esperança, em que o ressentimento e a inveja medram em abundância, é alvo fácil para aventuras populistas. O desespero que mora nos arrabaldes das grandes cidades ou no interior rural encontra um falso lenitivo nos discursos histriónicos de Ventura. O que o chefe do CHEGA propõe – entre retrocessos civilizacionais, bafio político e violação dos direitos fundamentais – roça, frequentemente, o delírio; mas para quem não tem nada a perder, ou a ganhar, a barbárie é um caminho.

Pessoas-Animais-Natureza, eis o que significam as siglas do PAN. Curiosamente, só se conhece o que o partido tem a dizer acerca dos animais e da Natureza. Quanto às pessoas, pouco ou nada. O problema dos partidos monotemáticos é esse mesmo: estão reduzidos a um tema ou a um conjunto unificado de problemas – a natureza, neste caso. Mas o que lhe falta em políticas para as pessoas, sobra-lhe em oportunismo. Com o PS ou com o PSD, o PAN não descarta uma coligação pós-eleitoral. Não se pode dizer que Inês Sousa Real não procure consensos. Já a ideologia não importa particularmente.

Rui Tavares e João Cotrim de Figueiredo. Em matéria de costumes, são muitos os pontos de contacto entre ambos. Na economia há um abismo entre os dois: representam modelos de sociedade sem quaisquer afinidades. Nesta campanha têm-se revelado como dois cavalheiros cordatos, inteligentes e que discutem serenamente ideias sem recorrer à língua de pau ou à vulgaridade. Não é pouco. Qualidades que num país decente seriam suficientes para garantir a sua eleição.

Perante a atomização partidária e a repartição de votos que as sondagens vão mostrando, suspeito que os resultados do dia 30 não esclareçam grande coisa. Vêm aí tempos interessantes.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.