Algumas anedotas começam com uma enumeração de pessoas que entram em bares. A minha história hoje podia começar “uma mãe, um filho de cinco anos, uma filha de três anos e uma filha de quatro meses entram numa Igreja…”. Para aqueles que possam não saber, ou não se lembrar, ir à missa com filhos pequenos é uma verdadeira aventura. Sobretudo quando na família os adultos são minoria, ou quando acontece algum dos adultos estar fora e ir só o outro com os filhos. Como se pode imaginar é sempre nessas alturas que acontecem os maiores ataques de sede, fome, vontade de ir à casa de banho ou de fazer corridas…
Há estratégias e dicas para todos os gostos: sentem-se atrás, assim se for preciso sair, não se incomoda tanta gente; sentem-se à frente, assim os miúdos ficam entretidos a ver o que se passa no altar; escolham uma missa mais rápida, que eles não têm paciência; escolham uma missa com muitos cânticos, que eles gostam das músicas; levem brinquedos que não façam barulho quando caem ao chão, para eles se entreterem; expliquem os vários momentos e envolvam-nos, que eles ficam mais sossegados se participarem; levem bolachas Maria; dêem-lhes antes o almoço; e podia continuar indefinidamente…
As crianças são naturalmente movediças, toda a gente sabe. Mexem-se, riem-se, espirram mais alto do que deviam, tentam falar baixinho e sai alto, às vezes discutem, às vezes asneiram. Seria mais simples não as levar à missa.
As crianças são naturalmente movediças, toda a gente sabe. Mexem-se, riem-se, espirram mais alto do que deviam, tentam falar baixinho e sai alto, às vezes discutem, às vezes asneiram. Seria mais simples não as levar à missa. Eu prestaria seguramente muito mais atenção. E as pessoas nos bancos à minha volta também. Mas parece-me que há uma grande quantidade de muito boas razões para fazermos este esforço – eu, o meu marido e todos aqueles que os nossos filhos distraem cada domingo. Deixo aqui quatro:
1. Se Jesus viesse à terra, aterrasse em Lisboa e fosse sabido que ia passar a tarde no miradouro da Graça, eu ia querer ir ter com ele, e ia querer levar a minha família toda. Mesmo sabendo que se calhar lá ia estar muita gente, que ia ser uma canseira para os miúdos e que íamos ter pouco tempo para falar com ele. Mas parece-me compreensível… Ora, numa missa, é isso que acontece. Pelo sacramento da eucaristia, Jesus vem ter connosco, vem a Lisboa. É claro que vale a pena levar-lhe os miúdos!
2. Crescer a ir à missa é crescer com o ritmo que a liturgia nos propõe, é crescer a ouvir a palavra de Deus, a encontrar a cada domingo caras conhecidas e desconhecidas com quem se reza; é entrar naturalmente nesta dinâmica da vivência da fé e crescer nela, e isso é para mim o ponto mais importante da educação que quero dar aos meus filhos. Escolas boas, saúde e juízo não me chegam; como mãe, não estou a prepará-los só, nem principalmente, para o futuro. Aquilo que quero para eles é a vida eterna.
3. É certo que esta “familiaridade” não dispensa uma adesão pessoal e consciente que cada pessoa vai sendo chamada a fazer à medida que vai sendo capaz. Ninguém pode aceitar o amor de Deus em nome de ninguém. Mas seria estranho se, na preocupação de favorecer a liberdade, não se mostrasse aquilo que se encontra como resposta para a vida e não se permitisse desde logo um encontro deles e à medida deles com Jesus. Fazer isso seria ter em muito pouca conta essa liberdade. Além disso, como podemos ler em episódios dos Evangelhos e confirmar nas vidas de pessoas como Teresa de Lisieux ou Francisco e Jacinta Marto, as crianças e os jovens não são apenas “futuros adultos”: o amor de Deus é-lhes oferecido já, neste seu presente.
Ir à missa com filhos pequenos é uma verdadeira aventura.
4. A Igreja é povo de Deus e um povo não é feito apenas de adultos, como não é feito apenas de pessoas saudáveis ou de uma certa condição social. Somos todos. A celebração da eucaristia, como centro fundamental da vida desse povo, como seu alimento e sustento, e também como seu ponto de partida, de envio, é muito mais que uma “reunião executiva” ou uma “festa de crescidos”. Seguramente que isto não significa que as crianças possam andar em roda livre durante a missa. Aliás, a própria aprendizagem do silêncio, do respeito pelo silêncio dos outros, da escuta – que é, claro, mais ou menos demorada (no caso dos meus filhos, mais!) – é um crescimento na de consciência de que 1) não se é o centro do mundo e 2) é possível controlar o próprio comportamento e atenção, independentemente daquilo que apetece em cada instante. Estes dois pontos são fundamentais na vida da fé, mas não só aí. E é escusado dizer que são dois pontos cuja aprendizagem faz falta a muitos adultos.
Não escondo: dá imenso trabalho levar os miúdos à missa. Mas quando penso nisto, em mais domingos do que aqueles que me orgulharia contar, lembro-me destas razões e de um verso de Sophia de Mello Breyner Andresen, certeiro, simples e curto, de um poema chamado Biografia: “odiei o que era fácil”. Crianças na missa não é fácil. É bom.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.