Uma alegria para a vista (e não só)

Dizem algumas correntes de estudos do Património que “Património” devia ser um verbo e não um nome. Assim possa ser entendido com olhos desempoeirados e desassombrados.

Ainda a propósito do Ano Europeu do Património Cultural que se celebra em 2018 por iniciava da União Europeia, chega-nos de Bruxelas a excelente notícia de que o Lugar da Vista Alegre, em Ílhavo, foi distinguido com o Prémio do Público no evento anual que premeia os projetos financiados com fundos europeus que se destacam por boas razões.

Este é um excelente pretexto para entender o património cultural com olhos desempoeirados e de forma desassombrada. Desde logo porque este Lugar conta uma história: a de sonho que se  materializa, acompanha a história moderna do país, passa por desafios e se reinventa.

Começando por onde se deve começar: no princípio havia uma capela, a Capela da Vista Alegre, adquirida – juntamente com os terrenos adjacentes –  José Ferreira Pinto Basto. Este empreendedor do século XIX aí funda, em 1824, a primeira unidade de produção industrial de porcelana em Portugal.

A afirmação e reconhecimento iniciais dos produtos da Vista Alegre vêm, em primeiro lugar, do estudo e conhecimento adquirido sobre matérias primas e processos de produção. A marca cresce e o espaço em torno da fábrica (e capela) cresce com ela: além das residências dos operários, o Lugar da Vista Alegre contava com uma creche, um teatro, campo e clube de futebol (Sporting Club da Vista Alegre) e até com um corpo de bombeiros privativo, criado em 1880, o mais antigo corpo privativo em Portugal (e ainda em atividade).  Compreende-se o sorriso na estátua do fundador da Vista Alegre que ocupa um espaço privilegiado no complexo recentemente requalificado. Afinal, a promoção do bem-estar e felicidade da comunidade, a par da qualidade da produção, deram excelentes frutos.

Como tantas vezes acontece na história das coisas vivas, também a Vista Alegre passou por vários momentos de provação. De mudança em mudança e de adaptação em adaptação, a marca recriou-se mantendo os princípios originais. Hoje temos oportunidade de apreciar esta história em pormenor muito devido ao projeto que entre 2014 e 2016 mudou a face deste lugar. O museu, que já existia desde 1947, foi ampliado e adaptado. Com mais de 30 mil peças expostas, conta a história da fábrica, do desenvolvimento do processo de fabrico de porcelana e da evolução da estética e do design de produto. Na antiga creche, bem a propósito, está o serviço educativo do museu. O conjunto completa-se com um hotel e lojas, pois a sustentabilidade do projeto é em parte garantida pelo turismo. A Capela da Vista Alegre, onde tudo começou, ou melhor, a Capela de Nossa Senhora da Penha de França – que é a padroeira da fábrica – está classificada como monumento nacional.

Dizem algumas correntes de estudos do Património que “Património” devia ser um verbo e não um nome. No caso do Lugar da Vista Alegre, faz todo o sentido. Um exemplo de que é possível perseverar, mesmo na mudança. Com estudo, trabalho, resiliência, imaginação, fé. Se lá for, vá com tempo.

Foto: https://www.cm-ilhavo.pt/pages/896

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.