Um gesto contra a indiferença

Estamos num momento em que todos somos poucos para afirmar uma Europa para todos, onde os valores humanistas e os direitos humanos são compromissos inalienáveis

O braço de ferro que o ministro Salvini tem vindo a travar com a União Europeia, recusando a entrada de refugiados em Itália, e o apoio que procura, e encontra, no primeiro-ministro da Hungria, desafiam as palavras da comissária Mogherini quando apela a uma “maior responsabilidade” dos Estados-membro no acolhimento dos imigrantes e dos refugiados.

Recusar a entrada de homens, mulheres e crianças que fogem à guerra e à pobreza nos seus países, que pretendem libertar-se da incerteza de vidas adiadas e que passam provações que dificilmente conseguiremos imaginar, é negar direitos fundamentais. Mas, é também desafiar os valores que devem marcar o relacionamento entre os membros desta “casa comum” que é a Europa.

O ataque que o ministro Salvini e o Primeiro-ministro Órban fizeram nas últimas semanas ao presidente francês, a propósito do acolhimento de imigrantes, é muito mais do que um ataque de caráter a Emanuel Macron. É, antes de mais, uma declaração da intenção de congregar apoios de Estados-membro disponíveis para fechar as fronteiras à imigração, e de afirmar uma aliança que declare a pretensa legitimidade de falarem a uma só voz, numa linguagem diferente da União Europeia, que integram.

Nenhuma alma mais atenta se esqueceu das imagens que foram chegando, durante largos meses, de ataques contra imigrantes e grupos étnicos considerados indesejados; notícias que foram chegando da República Checa, da Hungria, da Polónia e da Eslováquia, carregadas de incitamento ao ódio contra gente indefesa de todos os credos e idades, atos intoleráveis que gostaríamos de nunca ter visto.

Assim como gostaríamos de não ter visto imagens de manifestações de intolerância em países como a Suécia ou a Alemanha, onde, pela sua história, estas atitudes estão afastadas do nosso imaginário.

A contestação ao presidente Macron, tão visível nas sondagens recentemente divulgadas, e a anunciada saída da chanceler Ângela Merkel do governo alemão, deixam antever dias ainda mais incertos para a União Europeia.

Idália Serrão

A contestação ao presidente Macron, tão visível nas sondagens recentemente divulgadas, e a anunciada saída da chanceler Ângela Merkel do governo alemão, deixam antever dias ainda mais incertos para a União Europeia. Independentemente das afinidades que tenhamos com as suas famílias políticas, que podem até ser diferentes das nossas, não podemos deixar de equacionar, num momento em que a discriminação racial e a xenofobia se manifestam abertamente na Europa, o papel que ambos, atualmente, assumem como contentores dos movimentos nacionalistas que tentam afirmar-se.

Esta é uma realidade que nos deve convocar para uma profunda reflexão sobre o projeto europeu que ambicionamos continuar a construir e sobre o contributo que cada um de nós pode dar para a sua consolidação.

Estamos num momento em que todos somos poucos para afirmar uma Europa para todos, onde os valores humanistas e os direitos humanos são compromissos inalienáveis.

Esta é uma realidade que nos deve convocar para uma profunda reflexão sobre o projeto europeu que ambicionamos continuar a construir e sobre o contributo que cada um de nós pode dar para a sua consolidação.

Idália Serrão

É verdade que a atitude dos portugueses perante os imigrantes, nomeadamente sobre a disponibilidade para acolher refugiados, diz muito sobre o modo como nos posicionamos sobre as matérias do acolhimento e da integração. Temos, efetivamente, uma história de tolerância de que nos podemos orgulhar e que devemos continuar a aprofundar para que olhemos para todos os nossos concidadãos, verdadeiramente, como iguais. Mas devemos estender esta nossa particularidade, contribuindo para salvaguardar o espaço da União Europeia dos extremismos e dos populismos que vemos avançar.

É comum ouvirmos relatos sobre a incapacidade de cada um de nós influenciar o rumo da “Europa”. Quando chega a altura de escolher quem irá defender as nossas posições nas instâncias europeias, mostramo-nos desinteressados porque “não temos nada a ver com a Europa”.

É certamente este desapego que também contribui para que a abstenção se faça sentir de forma tão significativa. Pois, o que se passa, é exatamente o contrário. A Europa está presente, diariamente, nas nossas ações e é o voto que nos dá a capacidade de marcar posição e afirmar convicções.

Estamos a muito pouco tempo de reafirmar a Europa que ambicionamos e queremos continuar a construir. Em maio de 2019 iremos a votos para o Parlamento Europeu. A atual conjuntura é determinante para que não deixemos de o fazer e para que o façamos com convicção. O voto de cada um de nós é um instrumento poderosíssimo que em circunstância alguma pode ser desperdiçado.

 

Nota Editorial: Recebemos hoje como colaboradora regular do Ponto SJ Idália Serrão. Agradecemos muito a disponibilidade que manifestou para participar neste projeto.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.