Provavelmente todos conhecemos o famoso filme “Home alone” (Sozinho em casa), de 1990, realizado por Chris Columbus, cujo actor principal foi o jovem Macaulay Culkin. Este filme, dentro do género comédia, contava a aventura de um rapaz de 10 anos que foi deixado sozinho em casa pelos pais, vendo-se forçado a defender a sua casa de uma quadrilha de assaltantes que a tentavam roubar. Tal foi o seu sucesso, que mais tarde surgiram os remakes II e III, de menor qualidade.
Nesta já longa pandemia mundial, causada pela Covid-19, confrontamo-nos atualmente com um “filme” algo similar. A primeira versão, vivemo-la no ano passado e surgiu tão inesperadamente. A grande diferença é que esta segunda versão não é ficção, nem tão pouco uma comédia… diria antes que se insere mais no género drama! Curiosamente, em agosto de 2020, no final do ano letivo passado, escrevia um artigo, também para o Ponto SJ, intitulado “Férias!”, celebrando alegremente a chegada tão desejada do tempo de descanso… ora, paradoxalmente, acabamos de entrar, de novo, em férias escolares… férias em janeiro? E o sentimento, para a grande maioria dos alunos (e pais!), não será certamente de alegria, mas de perplexidade… embora compreendamos o seu objetivo.
Prescindindo do juízo das motivações para esta surpreendente decisão governamental (sobre a qual tanto se tem falado) a verdade é que, subitamente, as nossas crianças e jovens se encontram, de novo, sozinhos em casa. E, desta vez, sem o acompanhamento do ensino online. Foram privados do convívio social, do contacto com a família e os amigos. Naturalmente, não estão literalmente “sozinhos em casa”, mas acompanhados pela mãe ou pelo pai, de acordo com a respetiva organização familiar. Porém, existe uma sensação de isolamento, quase como se tratasse de uma “prisão domiciliária”.
Naturalmente, não estão literalmente “sozinhos em casa”, mas acompanhados pela mãe ou pelo pai, de acordo com a respetiva organização familiar. Porém, existe uma sensação de isolamento, quase como se tratasse de uma “prisão domiciliária”.
Como lidam as famílias com este enorme desafio? Por um lado, é certo que, sendo um remake, já temos todos a experiência do primeiro confinamento; por outro lado, os mais novos adquiriram já uma maior consciencialização da sua responsabilidade pessoal na luta contra os contágios. Estarão assim mais recetivos para se empenharem positivamente.
Em linguagem inaciana, poderíamos dizer que vivemos um tempo de Magis, onde cada um é chamado a fazer as melhores escolhas, dentro das próprias circunstâncias, para o maior bem de todos, sobretudo dos mais idosos e mais frágeis. Joga-se aqui, sem dúvida, a nobreza de caráter, onde a força de vontade e o sacrifício pessoal devem ser colocados ao serviço de todos.
Que principais desafios se apresentam às famílias? Um primeiro desafio tem que ver com a gestão do tempo em casa. As crianças e os jovens necessitam de uma rotina diária: levantar-se da cama, vestir-se e começar o dia. O importante é ter um objetivo, manter o foco, saber o que fazer. Daí que seja fundamental um horário para o dia (adaptado às diferentes idades), de modo que cada um saiba como vai ocupar o seu tempo: o estudo/trabalho; o tempo livre; as tarefas domésticas; o exercício físico; as refeições; etc. Poderá ajudar uma negociação prévia na elaboração do horário, de modo a responsabilizar cada um pela sua parte.
As crianças e os jovens necessitam de uma rotina diária: levantar-se da cama, vestir-se e começar o dia. O importante é ter um objetivo, manter o foco, saber o que fazer.
Um segundo desafio será encontrar um equilíbrio entre a autonomia e a dependência dos pais. Muitos pais também estarão em teletrabalho e não podem estar sempre pendentes dos filhos. Estes, quanto mais novos, mais necessitam de ajuda de um adulto (ou de um irmão mais velho) nas suas tarefas. Mas até as crianças necessitam que lhes sejam confiadas atividades que possam realizar sozinhas.
Um terceiro desafio é o de manter o otimismo e não desanimar! Para isso, muito ajuda estar ocupado, encontrando sentido para aquilo que se faz, evitando o excesso do ócio, que gera passividade. A disciplina e o cumprimento do horário são elementos indispensáveis. Ajuda também propor momentos de oração em família, cultivando a gratidão e lembrando os que mais sofrem.
Outro desafio ainda é manter o contacto com os familiares mais próximos e os amigos. Utilizando de modo equilibrado os meios tecnológicos e digitais, é possível continuar a acompanhar as vidas daqueles de quem gostamos.
Por fim, um ótimo modo de enfrentar este tempo exigente é encontrar soluções criativas, de atividades caseiras que promovam o convívio e a partilha: sessões de culinária; realização de trabalhos manuais para oferecer aos tios ou aos avós; jogos de tabuleiro; recordar histórias de família; visitar museus online; promover conversas temáticas às refeições; fomentar atividade física em comum; combinar reuniões de família online; e tantas outras iniciativas que possam ajudar a manter a esperança e o otimismo.
E, no final de cada dia, agradecer a VIDA! Assim vamos fortalecendo os nossos laços, conservando a paz e resistindo corajosamente a todas as tentações que nos ameaçam. Porque, apesar de tudo, temos sempre tanto mais a agradecer e a valorizar do que parecia.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.