Ser educador

Aproveitando o espírito de introspeção, boa vontade, compreensão e acolhimento que marcam a quadra que vivemos, tomo a liberdade de partilhar um pouco do que me vai na alma, nesta dialética de satisfação/insatisfação, realização/frustração que marca esta minha identidade de educador.

Sou uma das pessoas para quem não é muito fácil conseguir expressar numa ou em duas ou três palavras aquilo que faço profissionalmente. Em frente dum qualquer formulário, experiencio sempre a breve frustração de ter de optar por uma qualquer versão reducionista que caiba na formatação burocrática e social que nos é imposta. Por vezes, vou pela opção fácil do “técnico de projetos”; outras, opto pelo “trabalhador social”; ultimamente, tenho começado a escolher a hipótese “educador”…

Esta dificuldade torna-se mais complexa (e mais frustrante) quando se trata de procurar explicar o que faço junto de outras pessoas para quem o mundo das organizações não governamentais, do desenvolvimento e da educação para a cidadania global é um ilustre desconhecido, planeta de uma galáxia distante, habitada por seres estranhos e que falam uma língua pouco compreensível. Pior mesmo é quando essas pessoas são, de alguma forma, próximas: um vizinho, uma vizinha, um tio, uma tia, uma prima, um primo, um sogro, uma sogra, uma sobrinha, um filho, uma filha… Nestes casos, fui desistindo de falar muito na tentativa de explicar (quase) tudo e fui optando para, no caso dos mais velhos, dizer que “trabalho em projetos educativos” (normalmente, ficam satisfeitos; se mostram curiosidade, então conversamos); com os mais novos, digo que “faço projetos e dou aulas a pessoas adultas”.

Cada vez mais me sinto próximo e ligado a esta identidade de “educador”.

Serve esta introdução, um pouco em jeito de desabafo, para partilhar que, na realidade, cada vez mais me sinto próximo e ligado a esta identidade de “educador”, a qual fui abraçando, ainda que inconscientemente, desde que, já lá vão quase vinte anos, tive o privilégio de ter sido professor, lecionando durante dois anos em escolas públicas moçambicanas. Mais tarde, tornei-me formador em contextos de educação não formal e, desde há dez anos, aceitei o desafio de trabalhar na área da educação para o desenvolvimento / educação para a cidadania global. Atualmente, sinto que incorporo esta identidade não apenas nos processos educativos em que estou envolvido, quase sempre no âmbito de projetos mais alargados, mas também nos próprios projetos, interpretando-os e vivenciando-os enquanto processos de aprendizagem, e mesmo na convivência organizacional, no dia-a-dia, das coisas mais pequenas às maiores. Fora do âmbito profissional, desde o nascimento da minha filha mais velha – também há dez anos atrás – que o papel de educador me bateu à porta; é verdade que ser mãe ou pai vai muito para além de ser uma educadora ou um educador, mas essa é uma parte significativa (e deveras desafiante).

Nesse sentido, aproveitando o espírito de introspeção, boa vontade, compreensão e acolhimento que marcam a quadra que vivemos, tomo a liberdade de partilhar um pouco do que me vai na alma, nesta dialética de satisfação/insatisfação, realização/frustração que marca esta minha identidade de educador. Educador em processos educativos; educador no âmbito dos projetos e outras atividades em que me envolvo; educador na organização onde trabalho; educador no papel de pai da minha filha e do meu filho.

Gosto do que faço. Gosto muito.
Mas nem sempre gosto de o fazer.

Às vezes, sinto-me cansado, assustado, incapaz.
Outras, sinto-me animado e inspirado.
A relação e interação dá sentido, compensa e ilumina.
A exposição constante e sem tréguas desgasta…
sobretudo quando as coisas correm menos bem.
Tantas vezes me sinto esmagado pela pressão do que é suposto fazer e acontecer.
Tantas vezes o que é suposto fazer e acontecer me guia.
Às vezes apetece tanto.
Às vezes apetece tanto… fugir.

Educo? Sou educado? Aprendemos?
Prefiro a última.

Por vezes, duvido.
De mim, dos outros, do mundo.
Por vezes, acredito.
Em mim, nos outros, no mundo.

Busco a coerência,
mas sou constantemente confrontado com a minha própria incoerência.
Busco a justiça,
mas, muitas vezes sou eu próprio o injusto.
Busco a libertação,
mas continuo a viver cheio de amarras e prisões.

E, ainda assim,
Acredito… e aprendo.
E, ainda assim,
Continuo.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.