Durante a 70ª Assembleia Mundial de Saúde, decorrida há pouco mais de 12 meses, foi eleito o primeiro Diretor Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) de origem africana, Dr. Tedros Ghebreyesus. À data da sua eleição, a qual tive o privilégio de testemunhar presencialmente, duas particularidades do novo líder da saúde mundial chamaram a minha atenção. O significado do seu nome de família: servo de Jesus. Uma das suas prioridades estratégicas: o combate às doenças crónicas, através da aposta na prevenção de doença e promoção da saúde. De facto, as doenças crónicas, tais como a diabetes, a hipertensão arterial, a obesidade, têm em comum um conjunto de factores de risco comportamentais e evitáveis: alimentação desadequada; sedentarismo; tabagismo; alcoolismo.
A evidência científica demonstra que à medida que os países se desenvolvem do ponto de vista económico, os níveis de inatividade aumentam. Em alguns países, podem atingir os 70%, devido às mudanças nos meios de transporte utilizados, ao aumento do uso de tecnologias, ao valores culturais e à urbanização.
O preocupante caso português
Em Portugal, de acordo com o Eurobarómetro de 2017, apenas 5% das pessoas com 15 anos ou mais afirmam que fazem exercício ou desporto regularmente e a mesma percentagem afirma que faz habitualmente outras atividades físicas (por exemplo, usar a bicicleta para se deslocar). Considerando todas as atividades físicas, não mais do que 25% da população atinge as recomendações internacionais para a saúde. Portugal é o segundo país de Europa que menos caminha – 29% nunca caminham mais de 10 minutos por dia – e o país onde mais pessoas afirmam que não têm interesse ou motivação para praticar atividade física ou desporto (33%). Estima-se que, no nosso país, cerca de 14% das mortes anuais estejam associadas à inatividade física, um valor superior à média mundial, que se encontra abaixo de 10%.
Não agir no sentido de aumentar os níveis de atividade física levará ao aumento dos custos, com um impacto negativo nos sistemas de saúde, no ambiente, no desenvolvimento económico, no bem-estar da comunidade e na qualidade de vida. Com vista a dar resposta a esta visão, a OMS desenvolveu o primeiro Plano de Acção Global para a Promoção da Atividade Física. Este dá resposta às solicitações dos países sobre orientações atualizadas, e um quadro de ações políticas efetivas e viáveis para aumentar a atividade física a todos os níveis.
O plano estabelece quatro objetivos e recomenda 20 ações políticas que são universalmente aplicáveis a todos os países e abordam os múltiplos determinantes culturais, ambientais e individuais da inatividade. A implementação exigirá uma forte liderança, em conjunto com parcerias intergovernamentais e multissetoriais, no sentido de obter uma resposta coordenada e completa de todo o sistema. A Igreja Católica não pode ficar de fora desta mobilização nacional.
O país escolhido para o lançamento do “Global Action Plan for Physical Activity” foi Portugal. Esta escolha constitui um reconhecimento público das políticas exemplares e de sucesso levadas a cabo pelo Ministério da Saúde português nas áreas de prevenção da doença e promoção da saúde. Esse reconhecimento foi óbvio no discurso feito pelo Diretor Geral da OMS na Cidade do Futebol, no passado dia 4 de junho. No entanto, por grande que seja o empenho da Organização Mundial da Saúde, do Governo português ou do Ministério da Saúde, ser fisicamente ativo nunca deixará de ser, em última análise, uma escolha individual. Nesse contexto, também os católicos são chamados a intervir e a ser exemplo.
Promover a vida saudável
Segundo o livro do Genesis, depois de criar o mundo, Deus “viu que era bom” o resultado da sua obra. Assim se fundamenta o princípio do respeito pela criação. O planeta onde habitamos, o tempo que nos é dado a viver e o corpo humano que somos fazem parte da criação que Deus qualifica de “bela” e “boa”. Devemos então amá-los, cuidá-los e respeitá-los com igual cuidado. A última Encíclica do Papa Francisco, “Laudato Si”, evidencia um movimento de extensão da moral da Igreja a questões como o trabalho, a família, ou mesmo a saúde. Uma das formas de amar a Deus é através do amor e do respeito pela Sua Criação. No parágrafo 21 da Encíclica, o Papa Francisco refere: “Muitas vezes só se adotam medidas quando já se produziram efeitos irreversíveis na saúde das pessoas”.
No entanto, esta visão integral da ecologia ainda tem um longo caminho a percorrer. Continua a faltar o mais importante: a apropriação pelas pessoas nas suas vivências quotidianas. Na área da promoção e defesa do amor pelo corpo humano, a Igreja Católica tem optado por dar maior ênfase a temas como o aborto, a eutanásia, ou até mesmo o suicídio. Condena-se, por princípio, aquele que desrespeita a vida enquanto criação de Deus. Assim se justificou durante muito tempo o repúdio veemente da Igreja em relação ao suicídio. Assim se justifica, ainda hoje, o repúdio da Igreja face à eutanásia.
Se condenar quem profana a vida humana através da tentativa de suicídio ou da eutanásia é legítimo, não será igualmente condenável a atitude daqueles que, diariamente, e de forma deliberada, por fazerem uma alimentação desequilibrada e por não fazerem exercício físico, destroem o seu corpo e a sua própria saúde?
Está provado que a prática regular de atividade física contribui para a prevenção e tratamento das doenças crónicas não transmissíveis tais como doença cardíaca, o acidente vascular cerebral, a diabetes, o cancro da mama e o cancro do cólon. Também ajuda a prevenir a hipertensão, o excesso de peso e a obesidade e contribui para a saúde mental, melhoria da qualidade de vida e bem-estar. Apesar disso, o mundo está a tornar-se menos ativo.
Neste contexto, faz sentido que as instituições, nomeadamente a Igreja Católica, sejam envolvidas e chamadas a ter um papel ativo nas questões relativas à defesa da saúde. Para quando uma “marcha pela vida” em que seja dado algum relevo à principal e mais recorrente forma de profanação da vida humana, os estilos de vida pouco saudáveis?
O combate às doenças crónicas e a promoção do amor próprio poderiam perfeitamente estar no centro das prioridades da Igreja Católica nos países desenvolvidos, dado que se trata de um dos maiores problemas das sociedades contemporâneas. Mas essa mudança, mais do que estratégica, será também uma mudança cultural. Como sabemos, mudar não é fácil e requer, normalmente, liderança forte. O Papa Francisco é o exemplo vivo de uma das formas de liderança mais efetivas: a liderança pelo exemplo. Por isso a mudança tem de começar, antes de mais, por dentro.
Quantos dos padres fazem atividade física regular? Não estará na altura de começarem a liderar mais pelo exemplo nessas áreas também? Ou preferimos o “Prega bem Frei Tomás! Olha para o que ele diz mas não olhes para o que ele faz!”?
Quantos católicos fazem atividade física regular? Estarão os católicos a promover a atividade física suficiente naqueles que educam e de cuja saúde são responsáveis? Os colégios jesuítas sempre primaram pelo vanguardismo e excelência do seu ensino. Porque não assumir a dianteira também nesta área garantindo que a pratica de atividade física está presente, de forma obrigatória, em todos os dias da semana de aulas dos seus estudantes?
As recomendações da OMS
As recomendações da OMS nesta área são muito objetivas:
- Crianças com idades compreendidas entre 5 e 17 anos devem, no mínimo, praticar 60 minutos de atividade física de intensidade moderada a vigorosa, diariamente
- Adultos com idades superiores a 18 anos, devem, no mínimo, praticar 150 minutos de atividade física de intensidade moderada, por semana. Nem os avós escapam a esta recomendação.
Está na hora de os católicos recusarem a preguiça e aprofundarem um pouco mais a sua concepção do mandamento “Amar a Deus”. Fazer exercício físico é uma forma inequívoca de amor a Deus através do cuidado com a sua criação, que é corpo de cada e todos os dons que ele encerra. Praticar atividade física é uma responsabilidade individual de cada um para com aqueles que lhe são próximos, pois cidadãos mais ativos vivem mais e com mais qualidade de vida. No final das contas, a decisão passará entre mais uns anos passados no sofá, ou mais tempo passado em vida, com qualidade, na companhia daqueles que mais se ama.
Nunca foi tão óbvio que a preguiça, que faz optar pelo carro em detrimento da bicicleta, que faz preferir o sedentarismo à atividade física, é um pecado mesmo mortal. Bons católicos devem procurar uma vida coerente. Dos católicos espera-se, portanto, que saibam contrariar a tentação constante do sedentarismo comodista. Dos bons católicos espera-se que sejam fisicamente ativos.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.