Reza e não tenhas medo!

Como qualquer encontro com Jesus nas nossas vidas, precisamos de tempo para o reler. A velocidade da semana da Jornada precisa de uma re-leitura lenta, saboreada e com tempo. A onda gigante que vivemos precisa de ser “re-surfada”.

Na Jornada Mundial da Juventude, há um antes e depois. A Jornada, um encontro dos jovens com o Papa, é antes de mais um encontro de cada um com Deus. Coração a coração, tu a Tu.

Os dias da Jornada de Lisboa, e sobretudo o caminho feito de preparação, com tantos sonhos e dificuldades, foram para mim um encontro com o Coração de Jesus. Um Deus que me “chama pelo nome” [1], como nos repetia o Papa Francisco no acolhimento. Não fomos até Lisboa “por acaso” [2]. Fomos chamados a estar, a fazer parte, no tempo e nos lugares que o Senhor sonhou, porque a história de Deus com cada um entrelaça-se na história dos dias desta Jornada.

Fomos chamados a estar, a fazer parte, no tempo e nos lugares que o Senhor sonhou, porque a história de Deus com cada um entrelaça-se na história dos dias desta Jornada.

E por isso, agradecendo tanto bem recebido, o convite é que agora, neste tempo de digestão, possamos fazer uma memória do que vivemos. Aliás o nosso querido Papa Francisco alertou-nos para isso nas suas palavras finais: “mantende vivos, na mente e no coração, os momentos mais encantadores. Assim, quando chegarem momentos de cansaço e desânimo – que são inevitáveis – e, quem sabe, a tentação de deixar de caminhar ou de vos fechardes em vós mesmos, podereis com a memória reavivar as experiências e a graça destes dias, porque – nunca o esqueçais – esta é a realidade, isto é o que vós sois: o santo Povo fiel de Deus que caminha com a alegria do Evangelho [3]

Esta memória não pode ser uma nostalgia instagramica #tbt [4], nem uma tentativa de ficarmos para sempre com a gaveta meia aberta e meia fechada.

É importante fecharmos gavetas, mas sobretudo é importante provocarmos processos, ou seja, olharmos para a realidade que cada um viveu no seu coração na JMJ e confrontá-lo com o Evangelho, com a amizade de Jesus com cada um. Só assim podemos pormo-nos a caminho porque a Jornada Mundial da Juventude não é passado. Não é um iogurte que acabou a sua validade no dia 07 de agosto e que já não nos implica mais. Se assim fosse, isso seria tornar a experiência muito pobre, muito apressada e pouco saborosa.

É importante fecharmos gavetas, mas sobretudo é importante provocarmos processos, ou seja, olharmos para a realidade que cada um viveu no seu coração na JMJ e confrontá-lo com o Evangelho, com a amizade de Jesus com cada um.

Como qualquer encontro com Jesus nas nossas vidas, precisamos de tempo para o reler. A velocidade da semana da Jornada precisa de uma re-leitura lenta, saboreada e com tempo. A onda gigante que vivemos precisa de ser “re-surfada”.

Por isso, antes de querermos mudar tudo na Igreja e fazermos desta JMJ uma janela de oportunidade para deixarmos cair paradigmas do “sempre se fez assim” temos de olhar para nós.  Arrancarmos com processos de digestão interiores e internos. Atualmente, saltamos de evento apostólico em evento apostólico, de tema pastoral em tema pastoral, de exortação em exortação mas perdemos pouco tempo nos processos entre eles. Precisamos mesmo de inverter esta tendência – precisamos de processos que nos permitam ler a realidade.

Estes processos são estar ao colo de Deus, e olhar com os Seus olhos, o nosso coração. Importa assim, neste tempo, sonhares a tua pós JMJ. E por isso:

– A quem Deus tocou o coração para viver mais comprometido com o mundo e com a Igreja, para aprofundar mais a amizade com Jesus, a procurar mais a confissão, ir mais vezes a missa, começar num grupo de oração e partilha, rezar todos os dias, ir fazer os Exercícios Espirituais que adia por “ter medo do silêncio”, conhecer melhor Nossa Senhora, ler sobre aquele santo patrono da JMJ ou até criar junto da sua comunidade espaços de cuidado com os mais frágeis e vulneráveis. Reza e não tenhas medo!

– A quem Deus tocou o coração para dedicar umas horas por semana a visitar mais os avós, a estudar melhor e fazer todos os exames à primeira, a fazer voluntariado, a envolver-se com ética e verdade na política, a estar mais tempo de qualidade com os amigos, a fazer bem e com boa cara o seu trabalho, a aprender a dizer que não e a descansar mais ou a aceitar um convite para liderar um grupo de jovens. Reza e não tenhas medo!

– A quem Deus tocou o coração para discernir profundamente a sua vocação, a quem Deus chamou à vida religiosa, consagrada, sacerdotal, a quem Deus confirmou no caminho do matrimónio, ou a quem criou confusão no coração. Reza e não tenhas medo!

-A quem Deus tocou o coração para ser acompanhado espiritualmente por alguém, para viver com a mesma alegria da JMJ as saídas à noite e os festivais de verão, a fazer-se mais presente junto dos amigos que estão mais longe da Igreja ou dos que mais sofrem porque viram muros em vez de portas quando se tentaram aproximar. Reza e não tenhas medo!

– A quem Deus tocou o coração para continuar as amizades que fez na JMJ, continuar a rezar pelos amigos de tantos países longínquos e que sofrem injustiças e são perseguidos, tantos migrantes que continuam a chegar ao nosso continente, para fazer companhia aos que estão mais sozinhos (tantos deles nas nossas paróquias, mais jovens e mais idosos, tantos deles sacerdotes, consagrados que dão a vida pelos outros e são pouco lembrados e cuidados). Reza e não tenhas medo!

Que cada um na medida em que o seu coração foi tocado por Deus naqueles dias possa rezar e discernir onde é mais chamado a estar neste pós JMJ. Lembrando que tudo deve ser feito na medida exata. Sem querer ir a todas, reconhecendo que o multitasking e a pressa trazem mais mal do que bem. Mas que os braços cruzados, o não querer ser um jovem – protagonista do agora e esperar que outros façam por ti -, faz também mais mal do que bem.

Que cada um na medida em que o seu coração foi tocado por Deus naqueles dias, possa rezar e discernir onde é mais chamado a estar neste pós JMJ. Lembrando que tudo deve ser feito na medida exacta. Sem querer ir a todas, reconhecendo que o multitasking e a pressa trazem mais mal do que bem. Mas que os braços cruzados, o não querer ser um jovem – protagonista do agora e esperar que outros façam por ti -, faz também mais mal do que bem.

Se nós jovens, conseguirmos fazer estes processos no nosso coração, no nosso grupo de jovens, movimento, paróquia, diocese, conseguiremos replicar em Igreja novos paradigmas. Ao criarmos mais processos que tocam a realidade e que acompanham a realidade, isso é já uma diferença.

Ao revisitarmos a nossa vida à luz do que Jesus nos disse naqueles dias, não podemos ficar iguais. A adesão a Jesus não é só para quem é adulto, consagrado ou muito beato. Seguir Jesus é para todos, todos, todos. Foi exatamente isso que Ele nos disse há 2000 anos. Seguir Jesus é em conjunto – bispos e leigos, padres e consagrados, famílias e jovens, avós e netos – revisitemos a realidade em Igreja pós JMJ:

  • 1.5 milhões de jovens em silêncio no Parque Tejo em adoração ao Santíssimo Sacramento
  • Filas intermináveis de peregrinos no parque do perdão à espera de se confessarem
  • Conversas boas e transformadoras na cidade da alegria em tantos stands que nos lembram os carismas da nossa Igreja e nos fazem pensar que Deus inspira mesmo tudo!
  • 1.5 milhões de jovens que saltam, cantam, dançam nos concertos e agradecem com abraços e salvas de palmas aos polícias, aos senhores da limpeza urbana, aos motoristas dos autocarros;
  • Quase 25 mil voluntários que de forma discreta nas paróquias e centralmente acolheram, auxiliaram e ajudaram tantos;
  • Famílias por todo o país que abriram as suas casas e receberam peregrinos sem medos e preconceitos;
  • Drones que reproduziram palavras de Jesus “Levanta-te. Segue-me” de forma atual;
  • 1º encontro de influencers católicos e o bem que também existe nas redes sociais;
  • Via Sacra com as dores dos jovens de hoje. Lembrados que não estamos sozinhos, caminhamos com Jesus;
  • Jovens com deficiência a rezar o terço em Fátima;
  • Um novo modelo de catequeses Rise Up em que os jovens são também protagonistas e dão testemunho como apóstolos de outros jovens;
  • As feridas da semana com aqueles que não foram bem acolhidos quando estavam na missa ou traziam uma determinada bandeira;
  • Acordar com música tecno – um remix dos discursos do Papa ao longo da semana. Lembrados que tudo cabe em Deus;
  • Bispos alegres e próximos. Freiras a dançar. Padres tão diferentes – uns de calções, outros de batina, outros de boné. A normalidade das vocações consagradas;
  • Pedidos de noivados e luas de mel na JMJ. A normalidade das vocações ao matrimónio;
  • E o nosso Papa Francisco que se demorou no encontro com cada um. O cuidado de ir até ao sector D para que ninguém se sentisse de fora.

Todas estas realidades precisam de ser olhadas, sem fingimento e maquilhagem. Sem triunfalismos de que já está tudo feito. Para que as respostas aos problemas de hoje não sejam as de ontem. Precisam de ser olhadas e rezadas e despertados processos para que esta Jornada não tenha sido mais um evento, mas sobretudo um verdadeiro Pentecostes na vida de cada um e da nossa Igreja em Portugal. A Jornada Mundial da Juventude de Lisboa 2023 não passou de validade. Foi um verdadeiro estudo de mercado para perceberem o que sonhamos, queremos e desejamos. E para que cada jovem se implique na realidade concreta da sua vida e da Igreja porque somos protagonistas do agora. Uma geração 2023 com coragem e sem medo [5] porque sabemos em Quem pusemos a nossa confiança!

[1] Discurso do Santo Padre no Acolhimento (lisboa2023.org)

[2] Discurso do Santo Padre no Acolhimento (lisboa2023.org)

[3] Angelus com o Papa Francisco (lisboa2023.org)

[4] O #tbt é utilizado nas redes sociais para marcar fotos, textos ou vídeos que se referem a acontecimentos passados, numa forma de recordar.

[5] Homilia do Papa na Missa de Envio (lisboa2023.org)

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.