A mobilização, a expressão pública e alegre da Fé e a importância do Amor na mensagem do Papa Francisco. De tudo o que foi a Jornada Mundial da Juventude, estas três peças são as mais marcantes. E estão forçosamente associadas a duas ideias políticas: liberdade e moderação. E a um modelo: as democracias liberais ocidentais.
Quem seja mais novo que Emmanuel Macron, que tem 45 anos e tinha 13 em 1990, não só dificilmente se lembra da queda do Muro de Berlim como não se recorda que a alternativa, a vitória do Comunismo, era uma possibilidade. O que significa que não tem o entusiasmo pelas democracias liberais ocidentais, pelas suas virtudes e defeitos, de quem se lembra que a história podia ter sido outra, bem pior.
Passados 34 anos daquela data, vivemos entre governantes que cresceram no optimismo da vitória ocidental liberal na Guerra Fria, e uma grande parte de governados que cresceram no pessimismo dos ataques terroristas do 11 de Setembro, das crises económicas e financeiras no capitalismo e da convicção do seu impacto fatal na vida do Planeta. Isto significa que uns acham que o mundo em que crescemos é o melhor que podíamos ter tido (considerando a alternativa) e outros acreditam que lhes foi entregue um mundo que será cada vez pior, até acabar. Os que perdem empregos e os que acreditam que não os vão encontrar, os que se sentem ameaçados pelo que vem de fora ou por quem vem de fora, os que acreditam que um mundo passado e glorioso está posto em causa, os que acreditam que é preciso acabar com um mundo do passado. No geral, os que duvidam que o sistema sirva para mais do que umas elites se manterem sem preocupações. Nisso, os extremos tocam-se e, no essencial, não gostam da mesma coisa: deste modelo. E os desiludidos também não.
Isto significa que uns acham que o mundo em que crescemos é o melhor que podíamos ter tido (considerando a alternativa) e outros acreditam que lhes foi entregue um mundo que será cada vez pior, até acabar.
Por mais que alguma esquerda e alguma direita ache que o Papa Francisco é de esquerda por ter, além de “preocupações sociais” – como se a preocupação com os pobres fosse um exclusivo do assistencialismo de Estado –, um discurso crítico do mercado, e que muitos católicos se choquem por não ouvirem ao Papa uma palavra firme sobre a guerra justa de quem se defende de uma agressão bárbara e injustificada, há uma mensagem mais importante e fundamental neste papado: o amor. Este é sobretudo o Papa do cristianismo como uma religião de amor. Esse amor só é verdadeiro quando é aberto a “todos, todos, todos”, como disse e pediu que repetissem. E essa é uma ideia que tem expressão política.
Este é sobretudo o Papa do cristianismo como uma religião de amor. Esse amor só é verdadeiro quando é aberto a “todos, todos, todos”, como disse e pediu que repetissem. E essa é uma ideia que tem expressão política.
Voltemos à mobilização, à expressão alegre e pública da Fé e ao amor a cada um. Só nas sociedades liberais democráticas ocidentais (de tipo ocidental, se quiserem) é possível a sociedade civil independente que se organiza, é possível a liberdade religiosa (a primeira de todas as liberdades porque é a que historicamente limita o poder do Soberano e que não se confunde com a religião do Estado), e é possível olhar para cada um e aceitá-lo. Individualmente. Como pessoa. Como cidadão. Não como adjectivo, como expressão de um qualquer colectivo identitário e absoluto, seja a não ou uma qualquer comunidade.
Não vale a pena reviver para sempre o fim da Guerra Fria e a queda do Muro. Mas, como com toda a História, tem de ficar a lição. Essa sociedade que pode acolher todos só se concretiza nas democracias liberais ocidentais. Não há, de facto, alternativa. Essa pode e deve ser a mensagem política que mais importa retirar. E que pode mobilizar, como em tempos lutar contra o modelo comunista mobilizou, católicos e não católicos, moderados à direita e à esquerda. Deixando irremediavelmente de fora alguns, que podem existir onde cabem todos, mas onde o inverso não é verdade, sob pena de não caberem quase nenhuns.
“Todos, todos, todos”, ou quase, só onde a Liberdade é a base da organização social. Tudo o resto vem depois. E isto tanto é verdade para as nossas comunidades políticas nacionais como para a discussão global entre modelos políticos alternativos.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.