Quando nada parece estar bem… há-que reagir!

"Reagir intensamente contra a desolação, confiado de que pode fazê-lo com o auxílio divino, que sempre lhe fica, ainda que o não sinta claramente." (S. Inácio de Loyola nos Exercícios Espirituais)

A impressão de que nada está bem, de que nada tem solução, de que vamos de mal a pior, é dramática. E é dramática porque, ainda que tenha algo de verdade, não nos ajuda a sair dessa situação nem nos ajuda a ter outra perspectiva sobre ela. Em tempo de crise essa impressão pode parecer ainda mais justificável, e dizemos ser um olhar realista sobre a situação. Mas a verdade é que se pode tornar numa profecia auto-realizável. Ou seja, se vemos que está tudo mal e que não há volta a dar, se não reagimos, então estamos a contribuir para que, de facto, não haja alternativa e tudo acabe mal!

No número 317 dos Exercícios Espirituais (EE),Santo Inácio de Loyola chama a este estado, ou a esta atitude, desolação espiritual, e define-o assim: “obscuridade da alma, perturbação, inclinação a coisas baixas e terrenas, inquietação proveniente de várias agitações e tentações que levam a falta de fé, de esperança e de amor; achando-se [a alma] toda preguiçosa, tíbia, triste, e como que separada de seu Criador e Senhor (EE 317)”.

A descrição que faz S. Inácio, nos dias de hoje soa a sintomas de depressão. E pode até ser, mas, correndo o risco de pisar um campo que não é o meu, creio que muitas situações que nos parecem depressivas ou alguns princípios de depressão são situações de desolação espiritual que, por falta de reacção, vão de mal a pior.

Ou seja, se vemos que está tudo mal e que não há volta a dar, se não reagimos, então estamos a contribuir para que, de facto, não haja alternativa e tudo acabe mal!

No entanto, geralmente quem está nesta situação ainda tem um resto de energia para reagir. E é esse o conselho de S. Inácio, reagir intensamente contra a desolação, confiado de que pode fazê-lo com o auxílio divino, que sempre lhe fica, ainda que o não sinta claramente (EE 320). E para isso dá conselhos: insistindo mais na oração, na meditação, em examinar-se muito e em alargar-nos nalgum modo conveniente de fazer penitência (EE 319). Ora é sobre estes conselhos que me vou deter um pouco, pois parece-me que são muito úteis para o nosso dia-a-dia, podendo, de facto, mudar a nossa vida ou, pelo menos, o modo como a vemos.

Insistindo na oração e na meditação. Pode significar que talvez devamos dedicar mais tempo à oração mas, se uma pessoa já reza, pode significar também uma mudança no conteúdo da oração. Insistir na oração não é só pedir ao Senhor (insistindo) que nos mande de novo a consolação (embora pedir a graça de Deus seja sempre importante), o que geralmente quer dizer que pedimos que intervenha (que faça um milagre) e que mude a situação em que vivemos. Como seria bom e fácil! A Deus nada é impossível, mas não podemos esperar que Ele venha ao encontro dos nossos caprichos!

Um outro modo de alcançar a consolação, com a ajuda de Deus, é ter um novo olhar sobre a realidade. E por isso meditar, na oração, sobre a situação que se nos apresenta sem saída, é procurar vê-la com o olhar de Deus. Uma perspectiva diferente sobre a nossa situação é importante, pois quando sofremos tendemos a absolutizar o nosso ponto de vista, o nosso olhar torna-se viciado e enrodilhado na nossa tristeza. Por isso a nossa oração deve ser também no sentido de ver a realidade que nos faz sofrer, à luz dos critérios de Jesus, que conhecemos das Escrituras.

Examinando. Muitas vezes, mas sobretudo quando nos pesa, fazemos leituras simplistas da realidade. É fácil, é rápido e alivia momentaneamente. Mas a simplificação aumenta a desolação. É fácil encontrar bodes expiatórios, por exemplo dizer que o desemprego é culpa do governo, ou que a Igreja está desactualizada, ou que a juventude é malcriada. A verdade é que sobre temas como estes poder-se-iam escrever tratados e teses de doutoramento… O perigo da simplificação das questões é que nos dá uma razão, aparente, que justifica o nosso sofrimento, e assim reforçamos a nossa vitimização e a desolação. É como baixar os braços e esperar que os culpados (ou melhor, os bodes expiatórios) de alguma maneira alterem o que andam a fazer, sejam punidos, ou substituídos. Mas quando começamos a examinar as questões e a aprofundar o conhecimento dos problemas, começamos a tomar consciência de que a realidade é complexa e que não se podem atribuir culpas de ânimo leve.

No texto dos Exercícios está escrito examinar-se, com o pronome reflexo. Isto é importante pois pode acontecer, inclusive, que descubramos que alguma parte da responsabilidade pela situação que vivemos nos cabe a nós próprios…

Alargando-se nalgum modo conveniente de fazer penitência. Quando rezamos sobre as coisas e as examinamos, acabam por nos ocorrer possíveis saídas, alternativas ou modos de nos adaptarmos. Mas para que mude alguma coisa na realidade, temos de estar dispostos a mudar também nós, que somos parte da realidade! E isso custa, e isso é penitência, porque nos ajuda a converter-nos. A penitência cumpre o seu fim quando nos ajuda a tirar os olhos do nosso próprio umbigo, quando nos ajuda a não querer ser o centro do mundo. Assim, em vez de esperar que a solução dos problemas venha de encontro a nós, somos nós a ir de encontro a uma possível solução ou a um possível modo de ultrapassar uma situação difícil.

Talvez nunca alcançaremos a solução desejada, mas o facto de nos movermos em direcção a possíveis saídas de uma situação aparentemente desesperada dá-nos novo alento, esperança e até energia, próprias de quem vê para além do seu próprio umbigo. Deste modo passamos de vítimas passivas da realidade adversa a pessoas que vivem activamente a sua vida e procuram dar-lhe rumo.

Texto originalmente publicado  no site essejota, entretanto encerrado.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.