O maior partido da oposição em Portugal regressou à sua habitual, e até histórica, ação de “reentré” política, a Festa do Pontal, que voltou a animar as hostes “laranjas” no Algarve no passado dia 14 de Agosto.
Era elevada a expectativa para ouvir o que o recém-empossado líder da oposição, Luís Montenegro, tinha a dizer às Portuguesas e aos Portugueses.
Esteve 37 dos seus 53 minutos de discurso a fazer críticas aos “casos e casinhos” do Governo (é certo que com razão, visto não ter sido ele ou o PSD quem os criou mas sim o Governo, e portanto é o Governo que deve refletir sobre os mesmos e concentrar-se mais nos resultados da governação e menos em criar estes casos de todo em todo evitáveis e dispensáveis), e apenas 10 minutos sobre o agravamento das condições de vida dos Portugueses com a inflação, o facto de, em sua tese, o Governo estar a “ganhar dinheiro” com a inflação, e algumas propostas para a contornar, nomeadamente através de um programa de emergência social que irá ser apresentado.
É certo que Luís Montenegro goza ainda do chamado “estado de graça”, e tem tido vários bónus dados de “mão beijada” pelo Governo, e não hesita em aproveitar à exaustão esses casos: (i) questão do despacho sobre o novo aeroporto de Lisboa e a revogação do mesmo, (ii) caso Endesa, (iii) caso Sérgio Figueiredo, (iv) caso das declarações da ministra da Agricultura sobre a CAP, (v) caso da falha do SIRESP e a sua ida a Pedrógão, e (vi) estado do SNS (e até dos Tribunais onde referiu que há falta de material, nomeadamente papel, sem referir um caso concreto), sendo que quanto ao SNS pelo que se percebeu do PSD não deverá ter opinião sobre o novo estatuto proposto, apenas referindo que é na complementaridade entre o SNS e os privados da saúde que reside a “salvação” do SNS (enfim no mínimo discutível), referindo abundantemente que o Governo e o PS confundem o Estado com o partido.
Do programa de emergência social que o PSD apresentará na Assembleia da República em Setembro foi referido por Luís Montenegro que será proposto um vale alimentar de 40,00€ por mês para pensionistas com pensão até 1.097,00€ e pessoas em idade ativa e que obtenham até aquele rendimento. Será proposta também a redução do IRS nos 4.º a 6.º escalões, e o incremento de mais 10,00€ adicionais às crianças que recebam abono de família, e linhas de apoio financeiro às IPSS.
O Governo já anunciou, e no Conselho de Ministros informal do passado dia 23 de julho terão sido discutidas, algumas medidas de um pacote a apresentar para mitigação dos efeitos da inflação em Setembro. O PSD no Pontal anunciou algumas das suas medidas, será que assistiremos em Setembro, utilizando a expressão celebrizada pelo atual presidente da Assembleia da República, a uma “feira de gado” para ver quem dá mais? Enfim, para já é esperar para ver.
Ou seja, foi um discurso com decibéis e de crítica aberta contra o Governo, que ocupou mais de dois terços do seu tempo, e menos de um terço a falar sobre as dificuldades da vida das Pessoas e das respostas do PSD perante essas dificuldades. Percebe-se assim melhor as recentes declarações do atual Secretário-Geral do PSD que diz que “quer os votos do Chega”.
Pareceu mais um discurso interno de auto-motivação para militantes e simpatizantes do PSD e autoafirmação do seu líder (que a julgar pelos cartazes, já colocados de norte a sul do país, aponta e está mais preocupado para que a sua liderança chegue até 2026 e como “candidato” a Primeiro-Ministro, a menos que as “Moedas” mudem de tabuleiro), após quatro anos de liderança de Rui Rio (reconhecidamente com menos decibéis e com mais preocupação construtiva) e pouco virado para fora e para os desafios e problemas do país e dos Portugueses.
Era de facto importante saber o que pensa Luís Montenegro sobre a política de imigração, nomeadamente para contornar os enormes desafios que surgem atualmente no mercado de trabalho pela escassez de mão-de-obra em setores chave da Economia, saber o que pensa sobre a política energética (aposta nas renováveis e redução da dependência externa do país, como é que ninguém está a falar da energia nuclear?), o que pensa sobre a política ambiental e o combate às alterações climáticas (nomeadamente na gestão dos recursos hídricos, como é que ainda ninguém está a falar da dessalinização?), sobre a política de rendimentos (se concorda com o seu antecessor que era contra o aumento do salário mínimo, ou se finalmente se pode contar com o PSD para fazer um ajustamento em alta na política de rendimentos em Portugal e na promoção do trabalho digno), sobre a política de habitação (se concorda com o aumento do parque público de habitação ou se apresenta alternativas melhores e mais céleres?) e já agora se não for pedir muito, e depois de compelido a tal, era importante saber qual a sua opinião sobre um novo aeroporto para a região de Lisboa? Dizer que é ao Governo quem compete decidir, digamos que é poucochinho.
Parece de facto pouco ao líder da oposição dizer que o “velho Governo socialista” está a empobrecer o país, quando o maior aumento de sempre do salário mínimo nacional se verificou precisamente neste tempo, onde foi possível ao país crescer acima da média europeia em pelo menos três anos (e com uma pandemia pelo meio que interrompeu essa trajetória), coisa que dificilmente se verificou desde a nossa história de adesão à então CEE, e onde foi possível apresentar o primeiro superavit orçamental da nossa história democrática pós 25 de Abril.
O novo líder do PSD contou com a presença de Pedro Passos Coelho no Pontal (e até a indumentária foi a condizer), referindo que teve muito orgulho e honra em ter trabalhado com o ex-primeiro-ministro (numa declaração que nos parece perfeitamente normal e legítima do ponto de vista das emoções), do ponto de vista político é permitir-se uma interpretação de alinhamento e colagem do PSD ao tempo do “ir além da Troika”, dos Portugueses vistos como “piegas”, e do convite aos jovens Portugueses “a sair da sua zona de conforto e a procurarem oportunidades de emprego no estrangeiro”. Justiça seja feita há que reconhecer a Pedro Passos Coelho um elevadíssimo sentido de Estado e das responsabilidades governativas, que veio sobretudo ao de cima no caso do irrevogável Paulo Portas… Mas foi aqui que me lembrei de uma, salvo melhor opinião, muito infeliz declaração de Luís Montenegro, à altura líder parlamentar do PSD, ao JN, na véspera do 35.º congresso nacional do PSD em fevereiro de 2014 quando então referiu:
“Eu sei que a vida quotidiana das Pessoas não está melhor, mas não tenho dúvidas que a vida do país está muito melhor…”
Bem sabemos que o discurso político tem adaptabilidades e mutações consoante se está na oposição ou em exercício de funções governativas, e por isso, temos esperança que o atual líder do PSD tenha evoluído nas suas conceções (desde 2014) e finalmente tenha percebido que não será possível ao país estar melhor, se as Pessoas estiverem pior…
A Luís Montenegro todos desejamos bom trabalho, pois é muito importante para o país que a oposição faça bem o seu trabalho (e até para o Governo funcionar melhor é bom que exista uma oposição forte que à direita deve ser protagonizada pelo PSD e não pelo extremismo do Chega). E bem precisa de bom trabalho, pois em política “acreditar” em 2026 ainda virá tão longe e distante… Em política o que hoje é, amanhã era…
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.