O Pew Research Center (EUA) publicou recentemente um estudo intitulado Religious Landscape, em que inquiriu 35 mil americanos dos 50 estados acerca das suas convicções e pertenças religiosas e das suas posições políticas e socais, indicando que, entre as principais religiões, o catolicismo foi a segunda menos capaz de transmitir a sua tradição, ou seja, educar na fé.
Estudo semelhante foi conduzido na Europa, considerada então (2018) “uma das regiões mais secularizadas do planeta”, onde o grupo mais numeroso era constituído pelos “Cristãos baptizados não praticantes”. Segundo esse Inquérito, em Portugal, 35% eram cristãos praticantes, 48% não praticantes, 15% declaravam não ter qualquer pertença religiosa e 2% não saberem, ou pertencerem a outras religiões.
De um e outro lado é bem visível a queda acentuada da prática religiosa. É mais ou menos consensual que, pelo menos no Ocidente, nos últimos 50 anos, a comunicação da fé perdeu a sua eficácia, por muito que os cristãos organizem campanhas de “saldos” e “promoções” destinadas a tornar o Evangelho mais atraente. Se um director de marketing analisasse estes estudos, notaria que o café sem cafeína, a manteiga sem gordura, a cerveja sem álcool não são boas iguarias para o negócio. Pode o sal (i.e. o Evangelho) ser adocicado?
É mais ou menos consensual que, pelo menos no Ocidente, nos últimos 50 anos, a comunicação da fé perdeu a sua eficácia, por muito que os cristãos organizem campanhas de “saldos” e “promoções” destinadas a tornar o Evangelho mais atraente.
No Sínodo de 2018 sobre Os Jovens, a Fé e o Discernimento, a intervenção de Robert Barron, bispo auxiliar de Los Angeles, tocou o assunto. Robert Barron é o fundador dos Word on Fire Catholic Ministries. Além de ter os seus livros no top de vendas da Amazon, a sua página web WordOnFire.org chega todos os anos a milhões de pessoas.Depois do Papa Francisco, é o católico com mais seguidores nas redes sociais em inglês:1,5 milhões no FB, 1 milhão no Twitter e 30 milhões de reproduções no Youtube (cada vídeo novo reúne 25 a 30 mil utilizadores). Consta que quando o Papa o encontrou em 2015, saudou-o com admiração, dizendo: “Viva! O grande pregador que faz tremer as ondas!”
Com base nos seus 20 anos de evangelização on-line, Barron diz que pôde verificar“quais as inquietações que são pedra de tropeço para os jovens aceitarem a fé”. E elas são as mesmas apontadas por inúmeras sondagens [1]: razões intelectuais. A convicção mais comum é a de que a religião se opõe à ciência, ou contradiz a razão; que é reminiscência de uma época primitiva; que a Bíblia aumenta a violência e que Deus é uma ameaça à liberdade humana. Mesmo quando na realidade quase nada sabem de fé nem de ciência, os jovens dizem que deixam a fé por ela não ser compatível com a ciência.
Disseram também que começaram a alimentar dúvidas entre os 10 e os 11 anos, e até mais cedo. E para surpresa de muitos adultos, nunca tinham falado dessas questões com pais, professores ou sacerdotes.
Descobrir uma nova apologética
A proposta de Barron para este problema começa assim: antes de dar as respostas é importante escutar e dar espaço às perguntas. O discurso de Barron no Sínodo tomou um modelo clássico:o episódio daqueles discípulos que, desencantados pela morte do Mestre, abandonaram Jerusalém e partiram para Emaús (Lc 24, 13-35). O que fez Jesus com aqueles dissidentes? Não se anuncia; não dispara logo uma discussão teológica. Começa a caminhar com eles (apesar de irem na direcção errada), e pergunta-lhes “O que discutíeis?”. Põe-se a escutá-los. E quando eles deram a conhecer o que não sabiam, então aquele companheiro inesperado tornou-se bastante directo: “Homens duros de entendimento…” e deu-lhes a verdadeira lição de Escritura e Teologia. Ao ponto de, caída a noite,lhe pedirem que ficasse com eles, porque lhes “ardia o coração” ao escutá-lo.
É assim que Barron lança o termo hoje proscrito: diz que é necessária uma nova apologética. É evidente que a palavra faz soar o alarme. Regressar à apologética? Como no tempo dos imperadores romanos? Aquele discurso racionalista que soa a pré-Vaticano II?
Se formos às raízes, apologia remonta ao grego: defesa verbal, justificação, resposta. Ou seja, fazer apologética é antes de mais dar respostas, dar razões. Responder com clareza às perguntas e às objecções que os jovens têm sobre a fé.
Muitos pensarão que acompanhar os jovens e fazer apologética são caminhos que se excluem mutuamente. Na opinião de Barron, eles implicam-se mutuamente. Se pretendemos não só acompanhar mas também responder às inquietações de quantos acompanhamos, então a apologética é necessária, sob pena de não estarmos a responder às suas perguntas, mas apenas a produzir monólogos para ouvidos moucos. Ou a proporcionar experiências emocionais tão efémeras como espuma.
Muitos pensarão que acompanhar os jovens e fazer apologética são caminhos que se excluem mutuamente. Na opinião de Barron, eles implicam-se mutuamente. Se pretendemos não só acompanhar mas também responder às inquietações de quantos acompanhamos, então a apologética é necessária, sob pena de não estarmos a responder às suas perguntas, mas apenas a produzir monólogos para ouvidos moucos. Ou a proporcionar experiências emocionais tão efémeras como espuma.
Escutar e acompanhar, até mesmo os que se afastaram ou vão em direcção oposta, não significa apenas caminhar ao lado deles. O Companheiro da estrada de Emaús fez levantar questões que pediam respostas. Criou a ocasião para dissertar com clareza, extensão e profundidade. E isso implica a apologética: conhecer a argumentação e dar as razões da Esperança, que sem serem“científicas”, são racionais e razoáveis.
A nova apologética, diz Barron, tem de nascer, em primeiro lugar, das perguntas que os jovens fazem espontaneamente. Não se impõe de cima para baixo, mas emerge das inquietudes que ocupam a mente e o coração – sem evitar as questões difíceis, mas com verdadeiro interesse por elas.
Em segundo lugar, tem de aprofundar a relação entre religião e ciência. Para muitas pessoas, o racional identifica-se com o científico. Assim, se uma religião não é ciência, obviamente deve ser irracional… Temos de mostrar que, lado a lado com a ciência, há caminhos não científicos, racionais, que conduzem ao conhecimento do real: a literatura, a filosofia, as artes contêm em si verdades que não se alcançam de outro modo. A nova apologética tem de conhecer essas linguagens.
Para muitas pessoas, o racional identifica-se com o científico. Assim, se uma religião não é ciência, obviamente deve ser irracional… Temos de mostrar que, lado a lado com a ciência, há caminhos não científicos, racionais, que conduzem ao conhecimento do real: a literatura, a filosofia, as artes contêm em si verdades que não se alcançam de outro modo.
Em terceiro lugar, a educação da fé tem de seguir a via pulchritudinis (a via da beleza), como recorda o Papa Francisco na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (167). Para a cultura pós-moderna, que acredita firmemente na auto-invenção, começar pelo bom e o verdadeiro é frequentemente rejeitado. A beleza pode ser caminho menos ameaçador, mais encantador. E aí jogamos em casa, com 2000 anos de cristianismo que abraçaram a beleza e criaram não só a Notre-Dame de Paris mas obras-primas na arquitectura, na música, na pintura, na escultura… e na (esquecida?) liturgia. Inscrever as artes na educação da fé já é deixar resplandecer o bom e o verdadeiro.
Escutar as perguntas para lhes responder; reconciliar fé-razão e ciência; e fazer o caminho da beleza são os três passos que, segundo Barron, ateiam o fogo da palavra (Word on fire).
Não, não é assunto exclusivo para padres, catequistas e professores. É para pais e educadores e todos os que acreditam que o sal pode voltar a dar sabor.
[1] Robert J. McCarty and John M. Vitek, Going, Going, Gone. The Dynamics of Disaffiliation in Young Catholics. St. Mary’s Press, 2018.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.