A saudável alternância entre o plano aproximado e o plano geral, zoom in, zoom out, para usar uma nomenclatura anglófona, é uma lição de arte e de vida.
Recordei-me desta lição há poucas semanas quando me lembrei da resposta que o encenador francês Stéphane Braunschweig, encenador de teatro e de ópera (que apresentou em 2007 no CCB, integrado na temporada do São Carlos, uma belíssima versão do Wozzeck de Alban Berg) me deu quando lhe perguntei o que era a encenação, na sua perspectiva. Respondeu que era o constante exercício de zoom in, zoom out, de olhar para os pormenores, mas tendo sempre em conta o plano geral, o global, the big picture, para usar outro anglicismo (perdido por cem…).
Pensei em como o trabalho de criação artística – de teatro ou de ópera, de realização de um filme, de composição de uma música, de criação de dança, de uma pintura, escultura ou medalha – implica forçosamente esta ideia de atenção ao pormenor e ao resultado global. Como se encadeiam duas ideias, dois gestos, dois planos ou compassos, e como se encaixam na criação já completa ou, pelo menos, terminada.
A nossa vida pode ter pouco de artístico, mas tê-lo-á certamente de criação. Criação de cada dia, nem que mais não seja na postura com que lidamos com o que nos aparece à frente, de mudança de estado mental, espiritual ou, simplesmente, de humor.
Atire a primeira pedra quem nunca teve a ansiedade em alta, por maiores ou menores motivos.
E aqui é mesmo muito útil pensar no plano aproximado e plano geral.
Arriscaria dizer que vivemos sobretudo no plano aproximado – no passe que voltou a ser carregado ao primeiro dia do mês e se distraidamente se perde uma mensalidade se o fizermos mais cedo; do pneu que tem de ser mudado e são dois de uma vez, numa altura em que o carro é essencial; do filho cujas notas não são as sonhadas e de como será no próximo ano lectivo quando mudar de escola; da chamada que se não contava receber, notícias destas fazem disparar as ansiedades, depois admirem-se que as benzodiazepinas tenham um consumo tão alto neste país. Atire a primeira pedra quem nunca teve a ansiedade em alta, por maiores ou menores motivos.
Não é remédio santo, mas ganhar perspectiva ajuda muito. A perspectiva, ao contrário da geometria ortogonal, põe as coisas no seu devido lugar – está perto, é gigante; está longe, é pequeno. Nestas coisas, mais da vida do que do desenho, temos tendência a ver os problemas a um palmo de distância. Ou seja, são tremendos, distorcidos e não nos deixam ver mais nada à frente. Ficamos obcecados com o que nos tapa a vista.
Façamos o exercício de nos distanciar – zoom out. Daqui a uma semana, um mês, um ano ou uma vida, terá alguma importância? Imaginemo-nos no fim da linha, no ponto de fuga que inevitavelmente conheceremos – olhando para trás, vale a pena o envolvimento emocional, a ansiedade?
É mais fácil ver o plano geral de uma criação que nos é externa do que interna. Usemos o discernimento, pessoal ou de outrem em quem depositamos confiança, para conquistar a tão necessária perspectiva. A vida agradece.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.