Pedro, Inês e o cinema português

“Pedro e Inês”, filme de António Ferreira que estreou a 18 de outubro, foi o filme português mais visto de 2018. Terá poucas hipóteses de ser suplantado entretanto, até porque o ano está quase a acabar.

O que faz deste filme um fenómeno que levou mais de 40 mil pessoas a salas de cinema de todo o país? Creio que há vários ingredientes. Desde logo o enredo de base… , A história de D. Pedro de Portugal e de Inês de Castro é, já de si, incrível – Romeu e Julieta (tomado o sentido estrito da narrativa e sem atender à excelência literária e aos valores universais que Shakespeare coloca no que escreve) ao pé deste drama português é um conto para criancinhas… Com o bónus de se tratar de uma história que tem (pelo menos um pequeno) fundo de realidade. Um amor ilegítimo, não tolerado, com trama geopolítica à mistura, sangue q.b., coroação post-mortem, entre outras singularidades, são claramente bom material para cinema. Ainda que realizar um filme com base nesta história signifique correr imensos riscos – basta pensar que é um filme de época (medieval, ainda por cima) e que implica cenas de mortes e mortos que facilmente poderiam resvalar em ridículo visual.

Outro ingrediente assinalável é que o argumento é adaptado (pelo próprio realizador) a partir do romance “A trança de Inês” de Rosa Lobato Faria. É uma notável que pega na história de que já falámos que lhe acrescenta camadas

(alerta de pequeno spoiler)

que trazem a história para o presente e para o futuro, tornando-a literalmente intemporal.

(fim de spoiler)

António Ferreira e Tathiani Sacilotto (produtora do filme) perseguiram o sonho de realizar esta longa-metragem durante mais de dez anos. E este é o fator que leva a outro ingrediente que o filme tem – o imenso empenho, compromisso, esforço e paixão colocados no fazê-lo acontecer. Não tenho a certeza de o ter sentido porque conheço a história por trás da história ou porque isso se percebe na tela grande. Provavelmente, há uma mistura das duas coisas.

E só agora chegamos aos atores, com destaque para a magnífica prestação de Diogo Amaral a provar que é bom em vários registos, sendo este particularmente exigente. Joana de Verona e Vera Kolodzig estão também muito bem, assim como as dezenas atores secundários e figurantes do filme.

Entre os muitos outros ingredientes que compõem a obra, é de assinalar a qualidade da banda sonora original do filme (da autoria de Luís Pedro Madeira) e da fotografia – há momentos sonoros e visuais lindíssimos.

Tendo absoluta certeza de que os gostos é que se discutem e da riqueza do pluralismo, pus-me a pensar na crueldade de alguns críticos profissionais em relação a este filme. Talvez seja pela existência de alguma contrariedade em relação tudo que cheire um bocadinho a mainstream, além de uma certa mania de que o acessível e inteligível é necessariamente criticável.

Seja como for, vale mesmo a pena ver. Agora já não de forma tão fácil nos cinemas (esteve cinco semanas em exibição mas já saiu da maior parte das salas) mas num DVD ou operador de televisão perto de si daqui a não muito tempo. A história não vai perder atualidade.

Origem foto: https://www.cinema7arte.com/primeiro-trailer-pedro-ines-antonio-ferreira/

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.