Para quando um compromisso da sociedade com a erradicação da pobreza?

É urgente uma mobilização e compromisso coletivos, em que cada um, na sua área de influência, faça efetivamente a diferença.

O artigo de Maria d’Oliveira Martins de dia 12 de março, sobre um possível e desejável compromisso efetivo do Estado com a erradicação da pobreza, inspirou-nos a refletir sobre a necessidade de nos mobilizarmos como sociedade sobre o mesmo tema: todos podemos fazer a diferença, ou melhor, cada um pode fazer a diferença neste assunto. É muito urgente um compromisso coletivo, cada um na sua geografia, cada pessoa na sua área de influência – quer seja na esfera profissional ou pessoal.

A erradicação da pobreza é um tema de tal forma complexo que nos leva, numa primeira abordagem, ao verbo utilizado: erradicar significa ir à raiz, não deixar vestígio, fazer desaparecer por completo. Será possível? Não podemos acreditar que seja uma utopia! E cada um pode fazer a diferença: porque acreditamos na dignidade infinita de cada ser humano “inalienavelmente fundada no seu próprio ser, (…) inerente a cada pessoa humana, para além de toda circunstância e em qualquer estado ou situação se encontre.” (Dignitas infinita, 1). Poderemos então, como sociedade, alterar o estado ou situação em que as pessoas em risco de pobreza se encontram? Cada um por si, não; juntos, sem dúvida que sim!

Trata-se de um tema multidisciplinar e não há uma solução única. Há soluções e há, sobretudo, soluções conjuntas. As medidas de proteção social do Estado são cruciais, mas por si só não chegam – atenuam, mas não resolvem (vejam-se os dados Pordata de 2023, por exemplo, que referem que a pobreza, antes das transferências sociais, em Portugal, dispara para os 40%,, o que significa que, sem todos os apoios necessários, o número de pessoas em situação de pobreza aumentaria.)

Todos temos de participar: cada um individualmente, as empresas, o Estado, a comunidade e a sociedade. Todos somos chamados a agir, não é possível não o fazer. Eu posso começar por não julgar, posso escutar, posso perguntar e cuidar. Posso financiar uma resposta que proporcione mais e melhores oportunidades, posso ser um bom professor ou uma médica que se preocupa com a pessoa que tenho à frente.

Todos temos de participar: cada um individualmente, as empresas, o Estado, a comunidade e a sociedade. Todos somos chamados a agir, não é possível não o fazer. Eu posso começar por não julgar, posso escutar, posso perguntar e cuidar. Posso financiar uma resposta que proporcione mais e melhores oportunidades, posso ser um bom professor ou uma médica que se preocupa com a pessoa que tenho à frente.

O estudo anual Pobreza e Exclusão Social em Portugal da Cáritas Portuguesa, apresentado no passado dia 18 de março, mostra-nos que algumas camadas da população são particularmente vulneráveis à privação material e social severa: idosos, pessoas com escolaridade até ao 9º ano, famílias monoparentais, desempregados e pessoas com restrições severas à atividade (onde se encontram também as pessoas com deficiência). Este estudo conclui que a pobreza e privação persistem de forma estrutural, que os progressos ténues foram adquiridos num contexto de crescimento económico, que é necessário mais investimento público e maior colaboração entre todos os agentes e que a imigração é um desafio importante que ainda não está refletido nas estatísticas. No Relatório de 2024 sobre a Pobreza e Exclusão Social em Portugal, apresentado pelo Observatório Nacional de Luta Contra a Pobreza, vemos que, para a área de Lisboa, o risco de pobreza ou exclusão social, assim como o risco de pobreza monetária, aumentaram, respetivamente, 10,9% e 19,5%.

As conclusões do estudo da Cáritas Portuguesa, bem como os números do relatório do Observatório Nacional de Luta Contra a Pobreza, têm impacto nas nossas vidas: são os nossos familiares, amigos, colegas, as pessoas que encontramos na rua a caminho do trabalho ou em passeio. São os colaboradores da nossa empresa, são também pessoas estrangeiras que vêm de longe e que querem contribuir para a nossa sociedade, que trabalham, que pagam impostos e que nos podem ajudar a sermos melhores como país. Neste campo, todos temos um papel a desempenhar: Estado, Igreja, sociedade civil e cada um de nós. Se o Estado legislar, se a Igreja promover a dignidade da pessoa, como pede o Papa Francisco neste Jubileu de Esperança, se a sociedade civil se mobilizar e se cada um de nós se empenhar pessoalmente neste desígnio de erradicação, então podemos sonhar e concretizar um futuro para os nossos filhos de encontro e partilha de conhecimento e de bens, que nos leva a uma sociedade mais justa e completa.

Não faltam oportunidades concretas para o fazer: o Papa Francisco apela ao perdão da dívida, ao acolhimento de todos e à conversão de estilos de vida; as Nações Unidas têm como lema “não deixar ninguém para trás”; o nosso país conta com uma Estratégia Nacional Contra a Pobreza; a sociedade civil portuguesa conta com iniciativas como o Banco Alimentar contra a Fome, o trabalho incansável da Comunidade Vida e Paz, o profissionalismo do Centro Padre Alves Correia (CEPAC), o trabalho de tantos anos das várias Cáritas, para dentro e para fora da Igreja…a lista é longa e não se pretende que seja exaustiva. Em Lisboa, por exemplo, o CEPAC e a Cáritas Lisboa juntaram-se recentemente para propor um compromisso coletivo no acolhimento a migrantes que cada um de nós pode assinar, para depois refletir e começar a agir.

É urgente tomar consciência da situação em que nos encontramos, enfrentar este número de 20% de pessoas em risco de pobreza extrema que teima em não baixar, unir esforços e priorizar qualquer ação que no nosso dia-a-dia possa contribuir para erradicar a pobreza. Primeiro na nossa rua, depois no nosso bairro, cidade, distrito, país e, desejavelmente, no mundo. Esperam-nos tempos muito difíceis e a crise da habitação está já a gerar novos tipos de pobreza. A incerteza de paz e estabilidade que vivemos não nos deve fazer parar, mas antes agir, com generosidade, tolerância e atenção aos mais vulneráveis.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.