No passado mês de fevereiro foi decidida a redução do número de exames nacionais a realizar para o acesso ao ensino superior bem como o seu peso na nota final do ensino secundário. Prosseguiu-se, no fundo, um alívio da importância dos exames nacionais no acesso ao ensino superior. São estes, sem grandes detalhes, os factos sobre os quais pretendemos refletir neste texto e que, segundo consta, e compreensivelmente, levaram a algumas divergências entre os ministérios envolvidos na decisão.
Querendo ver o lado dito “positivo” destas medidas, o que se verifica, na prática, é um aumento do peso dos professores na definição do futuro académico dos alunos e um aumento da relevância dada ao percurso dos alunos. Consegue-se, simultaneamente, e evidentemente, um alívio da pressão a que os alunos estão sujeitos em momentos de avaliação como o são os exames, tornando-os ainda menos dependentes do seu desempenho num dado momento temporal.
Dito isto, o que importa saber é se as consequências que, eventualmente, podem ser vistas como positivas, são aquelas que, realmente, contribuem para uma melhoria do ensino em Portugal e para os ambicionados objetivos anunciados pela Direção Geral do Ensino Superior de prosseguir a democratização no acesso ao ensino superior, de reduzir a desigualdade de oportunidades entre candidatos com as mesmas características e de agilizar e simplificar o sistema de acesso. Com efeito, se as consequências positivas que podem advir destas medidas não contribuírem para os objetivos pretendidos e, para além disso, forem suplantadas pelas desvantagens que daí podem ocorrer, melhor seria que estas não tivessem sido tomadas.
Começando pelo objetivo de democratização no acesso ao ensino superior, não creio que esta seja a melhor medida. Se bem vejo o problema, a democratização é tanto maior quanto maior for a igualdade entre os diferentes candidatos que têm como objetivo final as vagas (limitadas) que existem em cada curso. Ora, se assim é, e nesta lógica, quanto mais peso for dado aos exames nacionais maior é a igualdade entre os diferentes candidatos e maior seria a visada democratização. Tudo isto porque teríamos provas exatamente iguais (ou bastante semelhantes) entre os diferentes alunos que seriam corrigidas por professores totalmente independentes em relação aos mesmos. Conseguir-se-ia, assim, uma maior justiça dada por uma maior igualdade de condições. A medida contrária contribui, parece-me, para uma redução da exigência e independência que é potenciada por avaliações externas.
Na verdade, se cada estabelecimento de ensino tem os seus exames internos e se a importância das notas dadas pelos respetivos professores têm mais peso, então, o que se atinge é, ao contrário do pretendido, uma maior desigualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior.
Dito isto, também não vejo como é que a redução da importância dos exames nacionais no acesso ao ensino superior contribui para reduzir a desigualdade de oportunidades entre candidatos com as mesmas características. Na verdade, se cada estabelecimento de ensino tem os seus exames internos e se a importância das notas dadas pelos respetivos professores têm mais peso, então, o que se atinge é, ao contrário do pretendido, uma maior desigualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior. Retira-se a oportunidade de os alunos poderem ser incentivados por avaliações externas que potenciam a meritocracia e que incentivam o estudo e a aquisição de conhecimento.
Não se quer com isto dizer que os exames devam valer 100% da nota de acesso ao ensino superior (apesar de existirem modelos de ensino que funcionam muito bem e são amplamente reconhecidos e onde o peso dos exames ronda os 80%), mas apenas que os objetivos pretendidos pelo governo não se conseguem atingir, na minha modesta opinião, com as medidas adotadas.
Na prática o que acontece não é propriamente uma democratização no acesso ao ensino superior (que seria justo e de aplaudir) mas antes a sua facilitação, que se traduz, no final do dia, em muitos alunos nas universidades que não têm o conhecimento e as bases necessários para uma adequada conclusão do curso. Os alunos ficam anos no ensino superior para, depois, serem obrigados a enveredar por profissões que não se adequam ao curso concluído.
A isto se acrescenta o facto de tudo isto não preparar as pessoas para a exigência do mundo profissional, cada vez mais competitivo e sem fronteiras. Aí sim existe uma verdadeira competição global que só é possível encarar com a devida preparação.
Sobre isto também não deixa de ser interessante notar aquilo que cada vez mais me parece ser falso e que se traduz na ideia generalizada de que todas as pessoas devem ir para a universidade já que isso lhes permitirá ter melhores salários no futuro. Ora, se isso é verdade em determinados cursos universitários e, porventura, em média, a verdade é que a remuneração de certas profissões que não carecem de estudos superiores acaba por ser superior à de pessoas que tiraram um curso superior.
Não quero com isto dizer que se deve limitar mais o acesso à universidade. Apenas pretendo chamar à atenção de que a opção de não ir para a universidade não é, necessariamente, uma má decisão. É uma opção que deve ser compreendida e, em certos casos incentivada, sem que quem opte por esse caminho deva ser estigmatizado.
Em resumo, não vejo com bons olhos a tendência facilitadora no ensino e que já se traduziu, por exemplo, em ideias de acabar com os chumbos obrigatórios. A exigência e o rigor são essenciais ao funcionamento do ensino que, como se sabe, é o maior potenciador do elevador social e de uma sociedade meritocrática.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.