Nos últimos tempos, fomos agraciados com uma memória da Disney dos anos 90: O Rei Leão. Este filme era uma das promessas deste ano e foi tido como o mais visto da Disney nos últimos quinze anos. Como é normal, não agradou a todos. Críticas surgiram por causa das mais variadíssimas razões: desde as perdas e ganhos das imagens até ao simples facto de se tratar de uma versão digital. Apesar de tudo, a palavra final da crítica cinematográfica pertence a cada espectador.
É curiosa a forma como o filme, digitalmente elaborado, realça a beleza das paisagens africanas. O famoso Ciclo da Vida foca a história nas mesmas personagens da película de 1996. “É um ciclo sem fim!” Nele, as gerações vão-se sucedendo, tomando os lugares e as responsabilidades que outrora pertenceram aos seus antepassados. É o assumir o lugar nesta sucessão que suscita a ideia de responsabilidade, pertença e identidade. Após a morte do grande rei Mufasa, Simba, o seu filho, amedrontado pelo seu tio Scar, foge para bem longe. É precisamente aqui que começa o drama da história, quando Simba, fugindo, se nega a reconhecer e tomar o seu lugar, quebrando este ciclo sem fim.
Ao quebrar este ciclo, os problemas que Simba esqueceu – as responsabilidades que deixou para trás – recaíram sobre muitos outros. Sofrimentos provieram do seu medo e falta de responsabilidade, mas principalmente do seu esquecimento de quantos, amando-o, desejavam outro rumo para o reino.
Enquanto cada um não percebe como pode mais “amar e servir” outros, não pode viver em Paz. Isto porque a paz só se poderá encontrar na atitude de quem assume a sua própria história para a projetar num futuro que inclua todos.
Uma vida alienada nunca deu fosse o que fosse a quem quer que seja. Vivê-la pode ter sido o preço a pagar por Simba nunca ter dito nada a Timon ou Pumba a respeito de quem era. Negar a sua própria história nunca poderia levá-lo a lado algum. Estes seus dois amigos conheciam o seu lar, segundo o hakuna matata, porque esse era o seu lugar no Ciclo da Vida. Não os diminuía e reconheciam ali o seu habitat. Essa, no entanto, era a sua casa e não a de Simba, empurrado pelo seu passado para outro lugar no Ciclo da Vida.
Rafiki, o conhecido macaco profeta, fez Simba dar um verdadeiro mergulho na sua história, fazendo-o perceber que não era ali que pertencia. A vida não pode ser vivida fugindo dela, foi o que o Jovem Leão aprendeu com Rafiki. Enquanto cada um não perceber como pode mais “amar e servir” outros, não pode viver em Paz. Isto porque a paz só se poderá encontrar na atitude de quem assume a sua própria história para a projetar num futuro que inclua todos. Isto acontece de uma maneira com Timon e Pumba e de outra com Simba!
É um atributo dos clássicos do cinema a capacidade de nos fazer pensar sobre a realidade em que vivemos. Num contexto de múltiplas divisões, onde é necessária a contínua criação de uma “cultura do encontro”, ter a noção de que se carrega um passado aos ombros é fundamental. Quando nos evadimos do nosso lugar na história, o risco de cairmos em mediocridades é gigante. O risco de uma política que diga “o mundo dura enquanto eu durar” é enorme e é porta de entrada para um “ciclo de vida insustentável”. Um líder, político ou não, deve ver O Rei Leão e aprender com ele. Governar outros exige responsabilidade. Quando um líder não cai na conta de que outros dependem das suas decisões, tudo se torna no simples “jogo de carreira” de quem procura o seu próprio interesse.
A interpeladora história de Simba, contada pela primeira vez em 1996, é ainda hoje bonita e atual. É para crianças, sim, talvez! Mas há algo de muito profundo que podemos aprender. É um filme que vale a pena, não só pelas suas paisagens e por ser fruto da nova tecnologia cinematográfica, mas pelo apelo que faz ao “regresso às origens”. Vinte e três anos depois do lançamento do grande clássico, a Disney não para de nos enriquecer. Que a forma como este apelo, pelo qual todos os homens e mulheres devem passar para se poderem encontrar na vida, nos foi apresentada não nos engane: pode ser que no filme se trate de um leão bem distante, no continente africano, mas a verdadeira história cabe-nos a cada um, no nosso dia-a-dia, onde a única vida que vale a pena viver é a nossa – dura, real, concreta… nossa.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.