Por princípio, não gostamos de políticos. Cada vez menos. São umas pessoas que não nos inspiram confiança, que não prestam para cumprir a sua função, e por isso nem prestam para nada. Não disse nada que não seja aceitável de dizer publicamente, como o comprovam dois minutos nas redes sociais ou no café… Ou a passear na rua. “E se acordasse amanhã e não houvesse políticos?”, pergunta um cartaz da Avenida da República em Lisboa que, apesar de propor a eliminação de toda uma categoria profissional, não chega para nos indignar. Afinal, ninguém com dois dedos de testa defende os políticos (salvo os próprios, mas esses não têm dois dedos de testa (perceberam?)). Faz parte da nossa cultura democrática desprezar os políticos acima de qualquer outra classe profissional. É perfeitamente aceitável. O que não é aceitável é gostar deles.
Até certo ponto, não gostar de políticos, ou de advogados e banqueiros, não passa de um sentimento inofensivo que em nada ameaça a saúde das nossas comunidades. Afinal, a política implica tomadas de posição e cedências que, inevitavelmente, desagradarão a partes da população. É natural que assim seja. Porém, quando a inimizade se transforma em desprezo e o sentimento individual se transforma num movimento de descontentamento geral, a própria identidade da democracia liberal é colocada em causa, e a questão torna-se demasiado relevante para ser ignorada. Atualmente, o mundo ocidental depara-se com um desses períodos em que é necessário abordar a antagonização dos políticos, a bem da sua saúde.
No entanto, apesar deste fenómeno ter vindo a crescer ao longo das últimas décadas, parece existir uma incapacidade estrutural por parte da classe política para o contrariar, e assim recuperar a confiança que foi perdendo. Creio que esta ineptidão se deve a uma incompatibilidade entre a nossa experiência política e a teoria política contemporânea, entre aquilo que é e o que deveria ser.
No entanto, apesar deste fenómeno ter vindo a crescer ao longo das últimas décadas, parece existir uma incapacidade estrutural por parte da classe política para o contrariar, e assim recuperar a confiança que foi perdendo. Creio que esta ineptidão se deve a uma incompatibilidade entre a nossa experiência política e a teoria política contemporânea, entre aquilo que é e o que deveria ser.
Comecemos pelo que é. A nossa experiência política quotidiana está marcada por um descontentamento relativamente à pessoa dos políticos que pode ser resumido em dois grupos: 1) capacidade governativa e 2) integridade ética. A primeira diz respeito à sua capacidade de liderança, de visão, decisão e negociação política, ou à sua aptidão intelectual e técnica. A segunda categoria diz respeito ao carácter pessoal dos dirigentes políticos, e é talvez a mais frequente crítica que lhes é dirigida. Neste aspeto, os portugueses encontram-se consideravelmente insatisfeitos, pois desconfiam da falta de retidão ética dos seus governantes. Acusações de corrupção, carreirismo, aldrabice, mentira, esquemas, interesses, deslealdade, traição ao povo, calculismos… De tudo isto e muito mais acusamos os nossos políticos. Repare-se que esta segunda categoria é independente da categoria anterior. Quem é capaz técnica e cientificamente pode ser corrupto, da mesma forma que um exímio negociador político pode ser desleal e mentiroso.
Daqui se depreende que uma parte significativa do nosso descontentamento democrático se deve a questões morais ou, por outras palavras, a questões de virtude política e da sua escassez. Ora, para questões de virtude, a teoria política contemporânea deixou-nos especialmente mal equipados.
A filosofia política moderna (contratualista, constitucionalista e liberal) que hoje rege as nossas sociedades não permite qualquer espaço para a discussão sobre a virtude moral no âmbito político. A atenção que dedica aos aspetos formais das democracias exterminou por completo a discussão clássica sobre as qualidades pessoais dos políticos. Assim, a discussão política resume-se hoje aos aspetos institucionais, processuais, e técnicos da organização democrática. É esta a lógica do dever ser político contemporâneo.
Deparamo-nos assim com uma profunda discrepância entre aquilo que a população sente, e aquilo que são as ferramentas intelectuais que estão ao seu dispor na praça pública. O que, inevitavelmente, dá azo ao crescimento de um descontentamento a olhos vistos e sem fim à vista. Desarmado pela linguagem processualista da filosofia contemporânea, o cidadão comum não encontra lugar nem forma adequada para exprimir a sua insatisfação moral e política. Pior ainda, a própria classe política não tem como enfrentar a desconfiança de que é alvo, pois falta-lhe a linguagem política capaz de discutir e defender a sua própria virtude e integridade.
É este o paradoxo da virtude política. Vivemos um tempo decisivo em que a desconfiança para com os políticos cresce exponencialmente, mas dispomos de uma enfraquecida linguagem política que nos impossibilita de discutir a própria realidade. Quando existe maior desilusão perante a qualidade moral dos políticos, é quando existe a maior dose de relutância por parte da filosofia política em abordar este tema.
Enquanto o descontentamento continuar a ser impossível de traduzir na linguagem da teoria política contemporânea, apenas existem motivos para que continue a crescer sob diferentes formas e movimentos. Apenas sobram duas formas de combater este crescimento: ou se altera o povo, ou se adapta a teoria. Uma das opções é radical, a outra é eugénica.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.