Vivemos numa era em que as ideias parecem sobrepor-se à realidade, ou pelo menos são mais valorizadas do que ela. Existe uma tentação constante de acreditar que podemos moldar a realidade às nossas ideias, ao que julgamos que deveria ser. Para os cristãos, esta tentação pode ser ainda mais insidiosa, pois Deus revelou-Se e, muitas vezes, corremos o risco de nos apoderarmos dessa revelação para impor o que consideramos ser o dever-ser. Quando isso acontece, tornamo-nos pequenos tiranos, brandindo a verdade como uma arma e usando-a para controlar ou impor, em vez de amar e servir.
Esta atitude pode infiltrar-se em todas as esferas da vida: na família, na educação, no trabalho e, inevitavelmente, no espaço público. Queremos tomar conta, definir metas, impor agendas e perseguir objetivos, muitas vezes em nome de valores nobres como a eficiência, a utilidade ou, o que é ainda mais perigoso, em nome da urgência ou da extrema necessidade. No entanto, essa pressa e essa urgência não são compatíveis com o verdadeiro espírito cristão. A nossa presença no espaço público não deve ser orientada pela imposição, mas sim pela proximidade.
Proximidade significa estar presente com um olhar atento, com vagar, com disposição para a conversa e para o encontro. Significa deter-se no que os dias nos oferecem, sem pressas, sem desígnios maiores do que o amor vivido no presente. A polarização que tanto se fala é, muitas vezes, fruto desse caldo de ideias que se apossa de nós e nos condiciona, dessas metas implacáveis e desses desígnios que atuam como preconceitos e nos afastam dos outros.
Não nos é pedido mais do que amar. Este amor é sempre “pequeno”, por permear a nossa vida como o respirar. E o espaço público deve ser o palco deste amor detido e inteiro, direcionado a todos, sobretudo aos que, no nosso provincianismo, entendemos como diferentes, mas que são tão absolutamente amáveis só por serem queridos e amados por Deus, cheios de luzes e também de sombras.
Não nos é pedido mais do que amar. Este amor é sempre “pequeno”, por permear a nossa vida como o respirar. E o espaço público deve ser o palco deste amor detido e inteiro, direcionado a todos, sobretudo aos que, no nosso provincianismo, entendemos como diferentes, mas que são tão absolutamente amáveis só por serem queridos e amados por Deus, cheios de luzes e também de sombras.
Fugir à construção de muros e ao discurso do desacordo é um dever cristão. Em vez de nos afastarmos da realidade, devemos abraçá-la na sua pluralidade e na sua beleza. O olhar benigno sobre as pessoas, a natureza e as coisas, a disposição de cuidado com as pessoas e os lugares que habitamos são o alicerce da presença cristã no espaço público.
Não se trata de impor ideias ou agendas, mas de permitir que Deus atue através de nós, com a sua linguagem única e inconfundível: o amor que salva e que se traduz em proximidade é o verdadeiro testemunho que os cristãos devem dar no espaço público.
Assim, cada gesto, por mais pequeno que pareça, torna-se um ato de amor e de construção de um lugar melhor para habitar, não só na relação com os outros, mas com o mundo, a natureza e o tempo que nos é dado viver. Não moldar a realidade às ideias, mas deixarmo-nos moldar pela realidade do amor que tudo transforma.
*Fotografia de Miguel Cardoso – JMJ
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.