Não sei quem lhe deu nome, mas cá eu teria destacado o nome do pai no título da parábola do Filho Pródigo. Seria a parábola d’ “O Pai do Filho Pródigo”, por exemplo, porque é ele o herói desta história maravilhosa. O pai, não o filho. O filho é um filho normal, como nós todos, como os nossos; já o pai, é o pai ou a mãe que devíamos ser, que ambicionamos ser.
Esta parábola, pequenina, de leitura simples, intemporal, é um tratado genial sobre educação. É o melhor e o mais completo texto sobre educação. Ensina-nos tudo o que precisamos de saber sobre as nossas fraquezas e medos – é uma resposta a todos eles -, um guia completo que serve para todos os filhos de todos os tempos e para todos os pais e todas as mães de todas as épocas.
Liberdade
“… ’Pai, quero a minha parte da herança’. Assim, ele repartiu a sua propriedade entre eles ambos. Não muito tempo depois, o filho mais novo reuniu tudo o que tinha e foi para uma região distante…”
Este pai não comprou um bilhete de avião ao filho para um semestre de Erasmus, não lhe deu dinheiro para o início de uma vida profissional no estrangeiro, nem o viu sair de casa para constituir uma nova família. Não: foi pura e simplesmente rejeitado pelo filho. E aceitou. Aceitou, certamente com profundo sofrimento, o exercício de liberdade do seu filho. Liberdade é a palavra chave. Este pai sabia que o filho ia sofrer, sabia tudo pelo que ele ia passar e sabia que não merecia o sofrimento que o filho lhe estava a causar. Mas ainda assim concedeu dar-lhe essa liberdade. E tinha o poder de não o fazer, tinha o poder de o obrigar a ficar, de não dividir os bens, de impedir todo esse sofrimento.
Só que o pai sabia que não há amor sem liberdade e é essa a primeira lição. Quantos de nós confundimos controlar os filhos com amor, ao invés de liberdade? Quantos pais estão certos de que quanto mais fiscalizarem, proibirem, dominarem, limitarem a vida dos filhos maior é o seu amor, pois estes são sinais de proteção? Demais.
Quantos pais estão certos de que quanto mais fiscalizarem, proibirem, dominarem, limitarem a vida dos filhos maior é o seu amor, pois estes são sinais de proteção? Demais.
Respeito
“(…) e lá desperdiçou os seus bens vivendo irresponsavelmente.”
E, ainda assim, o pai não foi à procura do filho para o trazer para casa. Respeitou a sua decisão apesar de não concordar com ela. E, pior, apesar de ter a certeza de que era a opção errada, autodestrutiva, deixou-o viver conforme as suas opções. Teria sido mais fácil, mais sensato até, ter ido resgatá-lo a terras distantes. Mas se assim fosse, a escolha pelo caminho certo, mais uma vez, não teria sido dele, do filho, mas sim imposta pelo pai. E não teria sido uma escolha livre, portanto. O pai respeitou o caminho que o seu filho escolheu.
Quantas vezes respeitamos o caminho que os nossos filhos querem experimentar e não os obrigamos a seguir os nossos? Nas pequenas e nas grandes coisas: desde as áreas de estudo, ao desporto, passando pelos amigos ou até os carismas religiosos? Cada vez menos vezes. Pelo contrário, cada vez mais vezes os pais querem substituir-se aos filhos nas suas opções, querem ser donos das suas vidas. Como se pelo facto de serem filhos não merecessem o nosso respeito; por serem nossos, fossem desprovidos de personalidade.
Confiança
“Estando ainda longe, o seu pai o viu…”
O pai estava à sua espera. Nunca desistiu dele, nunca o esqueceu, confiou que um dia ele voltaria a casa. A imagem do pai no cimo de uma colina à espera do regresso do filho é a imagem de Deus. Nunca baixou os ombros desiludido com o filho pródigo, delinquente, que o renunciou. Pelo contrário: imaginamos que todos os dias ia à janela, subia a um monte, para ver se era ele quem vinha pelo caminho de volta a casa. Até que um dia ele voltou. Imaginamos a alegria quando o viu ao longe. Ser pai é isso: confiar sempre, quando até o próprio deixou de confiar em si mesmo. É ser o único a não desistir.
Ser pai é isso: confiar sempre, quando até o próprio deixou de confiar em si mesmo. É ser o único a não desistir.
Humildade e misericórdia
“…e, cheio de compaixão, correu para o seu filho, e o abraçou e beijou.”
Não há qualquer reclamação de justiça, o pai não exige que o filho peça perdão, muito menos que lhe pague aquilo que lhe deu de adiantado e imerecido. Nada. Apenas corre para ele e nem espera que o filho o alcance, tal foi alegria de o ver chegar – são e salvo – a casa. Assim, sem que ele diga o que quer que seja, abraça-o e beija-o. Perdoa-lhe sem ouvir justificações, o seu regresso basta-lhe. Não há orgulho entre um pai e um filho, assim como não há justiça quando aquilo que está em causa é a misericórdia de um pai. Os filhos – disse-me o padre António Vaz Pinto – não se educam com justiça, mas sim com misericórdia. Chega e sobra.
Exemplo de amor
“Mas nós tínhamos de celebrar a volta deste seu irmão e alegrar-nos, porque ele estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi encontrado”.
E é porque a justiça dos homens não é a do coração dos pais que o irmão mais velho não percebe porque é que se faz uma festa para receber o ingrato irmão mais novo, quando nunca se fez nenhuma, sequer parecida, para ele. Ele, que foi o filho exemplar, presente, que nunca renunciou o pai. Mas a verdade é que se o filho mais novo tinha saído de casa, o mais velho estava em casa, mas nunca reconheceu o amor do Pai. Porquê?
A verdade é que cada filho é um filho único e os pais que somos com cada filho são também exemplos que damos aos outros: exemplos de misericórdia, de generosidade, de perdão, de sacrifício, de paciência e de alegria. São realidades distintas para cada um.
Esperança
Como será que acaba a história deste pai e dos dois irmãos? É a nossa história, em cada casa de cada família.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.