O Fim de Ano e o Ano Novo

O que torna um ano fantástico, ou menos, tem a ver com o quê? Muitas vezes analisamos o que vivemos com base em perceções que não correspondem a factos concretos, mas mais a sentimentos, ou sensações que absolutizamos.

Há anos fantásticos e anos que nem por isso. Há anos que ficarão para sempre na nossa memória e outros dos quais nem nos lembramos bem onde estivemos e com quem. Há acontecimentos pontuais que marcam definitivamente um ano (e por vezes uma vida) e uma panóplia de tantos outros que poderiam ter tido o mesmo impacto e não tiveram.

O que torna um ano fantástico, ou menos, tem a ver com o quê? Há factos objectivos que tornam os anos que vivemos mais fáceis ou mais difíceis: o sucesso em determinada área, os objectivos alcançados, a concretização de sonhos há muito desejados, ou por outro lado, o fracasso de determinadas acções, a separação de alguém querido, o não conseguir viver como se queria.

Mas será isso que determina um ano bom ou um ano mau? Muitas vezes analisamos o que vivemos com base em perceções que não correspondem a factos concretos, mas mais a sentimentos, ou sensações, ou a coisas passageiras ou indiferentes que absolutizamos. Se começarmos a “escavar” mais profundamente o ano que já vivemos, certamente descobriremos muita coisa inesperada. Desde logo, tanta coisa por agradecer, que damos por adquirido e de que nem nos lembramos que nos foi dado gratuitamente. Depois, certamente, algumas coisas que constatamos terem colocado a própria vida, a de outros, ou as de ambos, em pior estado, e em que, naquilo que de nós dependia, poderíamos ter feito melhor.

Ainda bem que temos muitos anos sempre a acabar e a começar. O ano lectivo já começou em Setembro. O litúrgico há umas semanas. Agora vem aí o novo ano civil. O fim de algo dá sempre início a um outro novo que nasce, e estes momentos de transição podem ser importantes se bem aproveitados. Porque para trás há algo que acaba e tem um fim. E para a frente abrem-se novos horizontes, novas perspectivas das quais não há certezas, mas nas quais depositamos a nossa esperança.

O desafio é sempre o mesmo: como vou fazer deste ano novo um melhor tempo da minha vida?

Então o que podemos fazer nestes momentos? Assumir isso mesmo: o fim do ano e o ano novo.

O fim do ano permite-me olhar para trás, para a minha história e revisitá-la, assumi-la, entendê-la mais a fundo.

Tudo na vida tem um fim e sabemo-lo bem. Ninguém vai ao cinema ver um filme na esperança que ele não acabe. Ou a um restaurante com a expectativa de que aquela refeição se torne eterna. Ou, muito menos, a uma missa em que o padre não se cala e a não quer terminar. Quem começa a trabalhar sabe que um dia esse trabalho acabará. Espera voltar a casa todos os dias ao fim das horas de trabalho devidas. Espera um dia reformar-se. E sabemo-lo isso no mais profundo do nosso ser porque a efemeridade e o transitório são as grandes marcas da nossa vida. Estamos sempre à espera do fim para começar de novo. Mesmo que não queiramos assumi-lo, todos sabemos que tudo o que começa tem um fim. Inclusive a própria vida.

Os fins, nomeadamente os fins de ano, são tempos que me permitem pôr em perspectiva o que se passou. Servem-me para olhar para trás, já com mais distância crítica, e ver o que vivi e como o vivi. E, com um olhar ainda mais profundo, permitem-me reconhecer a presença de Deus na minha vida, tomar consciência de como fui acompanhado, guiado nas palminhas, protegido e, sobretudo, amado. Ao fazê-lo, a minha história transforma-se e não posso deixar de me alegrar. Torno-me agradecido porque reconheço que recebi tanto sem o merecer. E posso exclamar: “que grande ano foi este, porque Deus esteve nele!”

Então posso finalmente virar-me para o ano novo.

O desafio é sempre o mesmo: como vou fazer deste ano novo um melhor tempo da minha vida? Há duas propostas que Sto. Inácio de Loyola nos faz nestas situações, para colocar o futuro que aí vem numa perspectiva mais (cor)recta. A primeira é imaginar-me como um bom amigo meu, que conhece a minha história tal como eu a conheço. Que conselhos daria eu, como meu amigo, a mim mesmo, para viver este ano que agora começa? Posso fazer uma lista. Depois, pôr esses conselhos em prática.

A segunda proposta seria imaginar que este será o último ano da minha vida. Diante dessa perspectiva de fim, o que tenho mesmo de viver neste ano? Que assuntos, relações, lista de afazeres, tenho de resolver prioritariamente?

2020 é o ano novo que se abre diante de mim. É aquele em que eu ponho as minhas expectativas, a concretização de um futuro melhor, mas também as minhas inseguranças pois não sei bem tudo o que poderá acontecer.

Ou sei…! Deus também estará presente neste ano que começa. E assim, as minhas expectativas e sonhos tornam-se relativos a um amor absoluto de Deus. O que conta não é mais o que irá acontecer, mas o que eu deixarei que Deus faça acontecer em mim. E posso exclamar: “que grande ano vem aí, porque Deus já está nele!”.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.