Frequentemente confronto-me, até como auto-reflexão, com a interrogação: qual deverá ser afinal o papel ou a intervenção do Estado na Economia, ou diria antes, nas nossas vidas?
Não gosto de me cingir à “velha” dicotomia, mais Estado – Esquerda, menos Estado – Direita, até porque me parece redutora e até, em certa medida, anacrónica.
Antes prefiro centrar-me naquilo que considero ser o âmago e o cerne desta “discussão”: afinal que Estado melhor servirá os interesses da maioria das populações?
O Estado, segundo a hodierna tradição jus-constitucionalista portuguesa (com o Professor Jorge Miranda à cabeça) (nota 1) pode ser definido como: “(…) a organização de governantes e governados ou comunidade dos cidadãos (…)” constituindo-se como “(…) a sociedade política característica dos últimos séculos e, decerto, a mais complexa, a mais sólida, e a mais expansiva da história.” Ou seja, uma complexa “entidade” composta por: povo, território e soberania.
Somos e seremos assim, organizados num Estado, que é uma verdadeira comunidade de vários indivíduos. Simplisticamente falando, o Estado de facto somos todos, pois tod@s fazemos parte desta grande comunidade que é o Estado. Não existe o “nós” cidadãos contra o “eles” Estado, pois este não existia sem aqueles, e aqueles não seriam a mesma coisa sem este. Aliás, basta atentarmos um pouco na grande história da humanidade para chegarmos a esta conclusão irrefutável.
Simplisticamente falando, o Estado de facto somos todos, pois tod@s fazemos parte desta grande comunidade que é o Estado. Não existe o “nós” cidadãos contra o “eles” Estado, pois este não existia sem aqueles, e aqueles não seriam a mesma coisa sem este.
Aqui chegados importa então debruçarmo-nos um pouco sobre como deve ser o Estado, tendo como fito servir cada vez melhor os seus cidadãos ou estar ao serviço da maximização do bem-estar destes.
São então vários os desafios/ameaças que atualmente afetam a nossa comunidade: a saúde pública, as desigualdades e a exclusão social, o impacto das alterações climáticas (diria mesmo a emergência climática e hídrica), a digitalização da economia, a crise económica e financeira, enfim, vários megaproblemas que exigirão compromissos sólidos de médio-longo prazo e uma concertação à escala global.
Como é que poderemos ter esperança de contribuir para a resolução ou pelo menos mitigação efetiva destes macroproblemas? Deixando na mão simplesmente dos chamados “mercados”, enquanto entidade quase mística que nunca ninguém viu nem se sabe muito bem qual o seu verdadeiro animus e muito menos o corpus, a tal “mão invisível”, segundo Adam Smith, que tudo conseguirá resolver, desde que haja capital em circulação?
É curioso verificarmos que geralmente é nos segmentos de mercado em que abunda a chamada “auto-regulação” (em que o Estado, que repito, somos tod@s, fica de fora), que geralmente vemos mais desvios e onde os abusos tendem a acontecer, fragilizando os mais “fracos”, em detrimento dos mais fortes.
Recentemente tomei contacto com um interessantíssimo livro cujo autor, Joseph Stiglitz (vencedor do prémio Nobel da Economia em 2001 – “O preço da desigualdade”) (nota 2), debruçando-se, na citada obra, sobre a economia norte-americana, escreve o seguinte: “A desregulação conduziu à excessiva financeirização da economia – tanto que, antes da crise de 2008, 40% de todos os lucros empresariais pertenciam ao setor financeiro. (…) Em geral, os 1% de norte-americanos mais ricos pagam impostos efetivos sobre o rendimento na ordem dos 20%, uma taxa mais baixa que a paga pelos norte-americanos de rendimento moderado.”
Eu pertenço ao lote daqueles que desconfia dos “milagres” da mão invisível que tudo resolve e recuso-me a aceitar que o papel do Estado (que repito e insisto, somos tod@s nós) apenas se resuma a suprir as chamadas “falhas de mercado”. O Estado que só serve para pagar prejuízos não é Estado, é um projeto fracassado!
Eu pertenço ao lote daqueles que desconfia dos “milagres” da mão invisível que tudo resolve e recuso-me a aceitar que o papel do Estado (que repito e insisto, somos tod@s nós) apenas se resuma a suprir as chamadas “falhas de mercado.
Historicamente, quando o Estado se demite de intervir diretamente ou regular, o que acontece é que o prato da balança pende sempre mais para os que mais têm e mais podem, em detrimento daqueles que menos têm e podem, concentrando invariavelmente mais meios e mais poder nos cada vez menos que estão no topo, em sacrifício dos que, cada vez mais, se encontram a afundar. Com tudo isto a acontecer, o próprio Estado ficará em perigo, a democracia em perigo ficará e a paz social e o contrato social, que estiveram na génese da formação dos modernos Estados, ficam também eles postos em crise.
Não é nada fácil conseguirmos balizar ou estabelecer claramente as chamadas “linhas vermelhas” e as fronteiras entre o que deve ou não ser concretamente a atuação do Estado. No entanto, não temos dúvidas de que o Estado tem de ser forte! Não devemos ter receio de o afirmar, tem mesmo de ser forte para ter capacidade de cumprir o seu desígnio, assegurar a dignidade e o bem-estar do seu Povo e fazer tudo o que é preciso ser feito para enfrentar com eficácia o conjunto vasto de problemáticas supramencionadas.
O Professor António Costa Silva, que lançou as sementes da discussão do atual PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) como resposta à pandemia, fala na necessidade de “um pacto entre o Estado e as Empresas” e num “equilíbrio virtuoso entre o Estado e os mercados”.
Não tenho dúvidas de que é este o caminho a seguir. O Estado, que somos tod@s, a intervir diretamente nas funções de soberania e nos serviços públicos, de qualidade, e a regular os mercados, orientando-os para o bem-estar generalizado, fixando as regras do jogo, que devem ser seguidas e observadas por todos, e que visam obter o desígnio da igualdade de oportunidade para todos, pois só com mais igualdade se conseguirá melhor Estado, e consequentemente uma paz verdadeiramente duradoura, e o contrato social a cumprir a sua obrigação primacial.
Nota 1: J. Miranda, Manual de Direito Constitucional – Tomo I (6.ª Ed), Coimbra Editora, Coimbra, p. 11.
Nota 2: J. Stiglitz, O preço da desigualdade, Bertrand Editora, Lisboa, 2016, p. 28.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.