O desafio da política educativa

Neste momento, o principal problema de política educativa em Portugal é o insucesso escolar no 1.º ciclo. Todos os alunos conseguem aprender. Tudo depende de como deles cuidamos e como os ensinamos.

Passada a euforia do momento e entrados no novo ano, retomo o tema dos resultados dos alunos portugueses no TIMSS 2019. O TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study) é um estudo internacional que avalia os conhecimentos dos alunos a matemática e ciências no 4.º ano de escolaridade. Portugal participou no primeiro estudo (1995), depois desistiu de participar (os resultados foram muito maus e o Governo entendeu que só servia para desmotivar alunos e professores) e voltou a participar em 2011, 2015 e 2019. O TIMSS utiliza uma escala de 1.000 pontos. Em 1995, obtivemos 475 pontos a Matemática e 480 a Ciências. Em 2011, 532 e 522, respetivamente. Em 2015, obtivemos 541 e 508 e, em 2019, 525 e 518. A melhoria de 1995 para 2015 é significativa a ambas as disciplinas. De 2015 para 2019 houve um decréscimo de 16 pontos a Matemática e a diferença em Ciências não é estatisticamente significativa.

Esta perda de pontos entre 2015 e 2019 deu origem a uma acesa troca de argumentos entre quem entende que a culpa é do atual Governo e quem entende que a culpa é do Governo anterior. É uma discussão espúria. Engraçada intelectualmente porque os principais responsáveis pelas posições antagónicas são pessoas inteligentes, mas irrelevante porque nenhum vai convencer o outro ou os seus partidários de que não têm razão. Mas é também uma discussão perigosa porque faz parecer que o destino do sistema educativo se joga numa variação de 16 pontos em 1.000. Não joga.

Os resultados de Portugal nos estudos internacionais (o TIMSS mas também o PISA) mostram-nos que, durante este século, o sistema educativo português passou de um sistema terceiro mundista para um sistema na média da Europa civilizada. E isto é bom! E aconteceu apesar das oscilações de política educativa que fomos vivendo. Mas os resultados também nos mostram um lado negro a que não se dá suficiente destaque: cerca de 20% dos alunos portugueses obtém resultados medíocres nestas provas. Em 2019, 5% dos alunos do 4.º ano demonstraram não ter conhecimentos básicos de Matemática e 21% demonstraram apenas ter alguns conhecimentos básicos de Matemática. São mais do que eram em 2015 (3% e 15%), mas 2015 também já era mau. A Ciências, o cenário é ainda pior pois são 30% os alunos com resultados medíocres. Um aluno que termina o 1.º ciclo do ensino básico (4.º ano) com conhecimentos medíocres a matemática e ciências não recupera no 2.º ciclo. E só casos excecionais recuperam mais tarde. O cenário que resulta do PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study) é igual para a literacia de leitura.

Neste momento, o principal problema de política educativa em Portugal é o insucesso escolar no 1.º ciclo. Todos os alunos conseguem aprender. Tudo depende de como deles cuidamos e como os ensinamos.

Parecemos a banda do Titanic: debatemos de quem é a culpa de perda de 16 pontos enquanto 20% das nossas crianças perdem o rumo nos primeiros 4 anos que passam na escola (e vão ter de lá ficar 12…). Neste momento, o principal problema de política educativa em Portugal é o insucesso escolar no 1.º ciclo. Todos os alunos conseguem aprender. Tudo depende de como deles cuidamos e como os ensinamos. É preciso um corte geracional; criar um foco enorme nos mais pequenos e deixarmo-nos de desculpas esfarrapadas ou de passar culpas entre a escola a família e o meio.

Lanço por isto um desafio ao Governo e à oposição: colocar todo o foco e recursos necessários para que o grupo de alunos que iniciam o 1.º ano de escolaridade em setembro de 2021 sejam a primeira coorte com 100% de sucesso no 4.º ano. Se depois mantivermos esse sucesso na base, é esperar 15 anos e teremos um Portugal muito diferente.

Parte do sucesso passará por olhar a criança de uma forma holística, tendo em conta a necessidade da promover o seu bem-estar físico e mental. Mas isto fica para o próximo artigo.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.