Há momentos na nossa existência em que sentimos a mudança da vida. Sente-se que a trajetória começa a alterar o seu sentido, de uma forma gradual, pesada e, quase sempre, irreversível. Nesses momentos, percebemos que terminou um tempo e outro está a começar.
Gonçalo Ribeiro Telles e Eduardo Lourenço são do melhor que Portugal teve, no último século. Ambos nos deixaram, recentemente, depois de, longas e profícuas, vidas. Ambos edificaram um património cultural, social e político que perdurará muito para lá das suas vidas terrenas. Ambos foram (cada um à sua maneira) construtores deste Portugal que somos. Pelos seus pensamentos, pelas suas produções, pelos que, com eles, aprenderam e, principalmente, pelos seus exemplos de vida. Portugal seria, certamente, diferente, se estes dois portugueses não tivessem existido. Para pior…
Gonçalo Ribeiro Telles e Eduardo Lourenço representam uma geração de portugueses que teve a coragem de – nunca esquecendo o nosso passado, mas nele não ficando – olhar, livremente, para a frente e pensar Portugal, nessa complexa equação que é o futuro. Pensar o que somos e o que seremos. Não só o que podemos ser, mas, principalmente, o que queremos ser. Para onde queremos ir e de que forma queremos lá chegar. Porque sempre soubemos, pelo exemplo do nosso passado, que quando pensámos o que queríamos ser, fomos capazes de ser aquilo que pensámos. Foi assim que nascemos há quase nove séculos e foi assim que chegámos ao presente. Será assim que, daqui, sairemos para o futuro.
Homens e mulheres que se adiantam ao nosso futuro coletivo, pensando-o e, dessa forma, o ajudam a construir, à medida do seu pensamento, são o que Portugal necessita, atualmente.
Estamos, como poucas vezes estivemos, na nossa longa história, prisioneiros do presente e fortemente condicionados na nossa capacidade de nos projetarmos no futuro. Portugal vive um dia atrás do outro, sem sentirmos que exista uma direção ou um sentido, nesta linha cronológica da sucessão dos dias: (i) foram os anos de crise financeira, económica e social do início do século, mais particularmente entre 2009 e 2015. Uma crise que nos retirou muita da nossa capacidade de projetarmos a vida para lá da necessidade imediata de sobreviver. Têm sido os anos da, lenta e complexa, recuperação do que havíamos perdido, na tentativa de voltarmos ao ponto em que estávamos; (ii) é a pandemia, que nos arrasta, novamente, para uma nova crise: maior, mais estrutural e mais complexa que a anterior.
Há muito tempo que sentimos que a nossa vida não anda para a frente, mas para trás. E este sentimento rouba-nos a capacidade e a alegria de pensarmos o futuro. E sem pensamento sobre o futuro, ele não será o que nós gostaríamos que fosse.
Estamos, pois, necessitados de homens e mulheres que pensem para lá do nosso quotidiano, nos libertem a imaginação, nos estimulem os sonhos, nos abram as portas da vontade de sermos mais e nos façam acreditar que seremos capazes de pensar o que queremos ser, no pressuposto de que o nosso pensamento antecede e edifica a realidade.
O problema é que olhamos à nossa volta e não vislumbramos portugueses com este rasgo, esta luz, esta energia, esta liberdade, esta capacidade de nos guiarem. Olhamos, procuramos e encontramos o que há: a gestão do quotidiano; a planificação semanal das nossas vidas; a interminável luta pela sobrevivência; a sensação de que a única finalidade é manter o barco à tona, contrariando, como se pode, as marés e os ventos. Flutuar hoje e flutuar amanhã.
Como se não descendêssemos de portugueses que navegaram sempre para onde quiseram, não só contrariando os sentidos das marés e dos ventos, mas sabendo aproveitá-los, para cumprir a rota traçada.
Necessitamos de mudar de capítulo deste nosso livro português, para voltarmos a sentir a alegria de sermos quem somos e querermos ser aquilo que sonhamos.
Fotografia de João Silveira – Unsplash
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.