As questões ecológicas representam um desafio titânico para a humanidade. É cada vez maior a vontade de enfrentar este problema, e são cada vez mais as pessoas a optarem por mudanças de comportamento. Mas, no final, qual é o caminho político, económico e moral que queremos e podemos seguir? Identifico dois paradigmas principais nos discursos à minha volta. O primeiro acredita que a solução passa por fazer mais com menos. O segundo defende que menos é mais.
Mais com menos
Esta é a solução liberal para o problema da ecologia, segundo a qual, ao acelerarmos os mecanismos de mercado, inovação, autonomia e eficiência, encontraremos forma de reduzir os recursos utilizados, de tornar a nossa economia mais verde, mais sustentável, e assim resolver as alterações climáticas. Simplificando bastante, trata-se de acreditar que a tecnologia, o mercado e a lei da oferta e da procura acabarão por encontrar o caminho para superar a crise ecológica. Esta proposta deriva do «paradigma liberal» que vigora nas nossas sociedades democráticas há algumas décadas e que tem obtido resultados extraordinários em matéria de liberdade de escolha e bem-estar. Nunca a humanidade foi tão próspera, nem nunca a inovação, o progresso científico e tecnológico foram tão acentuados. Muita da igualdade material que temos hoje – da alimentação à possibilidade de viajar, passando pelos cuidados de saúde e instrumentos de trabalho – é fruto deste paradigma liberal que, já agora, é partilhado por todos os partidos políticos democráticos e não apenas pelos liberais. Todos defendem o mercado livre e o crescimento económico como objetivos políticos.
Em resumo, se o paradigma liberal é responsável pelo período de maior prosperidade na história da humanidade, então também ele conseguirá resolver o problema sozinho.
Trata-se de uma convicção moral e ética que apela à simplicidade, à redução e à contenção, não só como meio para atingir um fim, mas como um fim em si mesmo: um estilo de vida, uma postura ética.
Mais é menos
Simultaneamente, cresce um caminho alternativo de resposta à crise ecológica fundado em múltiplos prismas que, resumidamente, tem procurado construir um paradigma centrado na ideia de que «mais é menos». Trata-se de uma convicção moral e ética que apela à simplicidade, à redução e à contenção, não só como meio para atingir um fim, mas como um fim em si mesmo: um estilo de vida, uma postura ética. Ao contrário do paradigma liberal, para o «paradigma ecológico» (as expressões são minhas) não é só uma questão de eficiência, é uma questão de suficiência. Não se trata apenas de reduzir o impacto e os números, é preciso descobrir uma nova forma de viver. Este discurso tem traços pré-modernos e pouco liberais, pois utiliza vocabulário carregado de significado moral, a fazer recordar o campo das virtudes – moderação, simplicidade, suficiência – em vez de recorrer a critérios de eficiência, racionalidade e liberdade de escolha. No fundo, coloca-se em oposição ao paradigma liberal.
No momento de decidir o caminho a seguir, nenhum dos paradigmas me parece suficiente, cada um pelas suas razões. O paradigma liberal não chega porque reduz o desafio ecológico a um problema económico, de eficiência e racionalidade na gestão dos recursos. Esta visão, de que basta a inovação para resolver a crise ecológica, falha a vertente multidimensional do problema, que envolve a própria humanidade e a forma como se relaciona, consigo própria e com o ambiente. As questões ecológicas não são uma pedra no sapato que precisamos de retirar para continuarmos a andar. São uma necessidade de reconciliar a humanidade com a natureza e a natureza humana. E para isso precisamos de aprender que «mais é (muitas vezes) menos».
As questões ecológicas não são uma pedra no sapato que precisamos de retirar para continuarmos a andar. São uma necessidade de reconciliar a humanidade com a natureza e a natureza humana.
Mas também isso, sozinho, não basta. Temos um dever de justiça, nomeadamente para com os mais frágeis, de lhes garantir os mesmos (ou melhores!) recursos que o paradigma liberal lhes proporcionou nas últimas décadas. Precisamos de manter e reforçar as inovações, preços, benefícios e um certo padrão de qualidade de vida que o paradigma liberal proporcionou a tantos, e que ainda está aquém de tantos outros. Aliás, convém não esquecer que, se hoje existe um crescimento da sensibilidade ambiental nas sociedades ocidentais, é fruto das condições materiais que permitem refletir sobre este tipo de preocupações extra-materiais. Para além de que dependemos de muita da tecnologia existente e futura para enfrentar as alterações climáticas e atingir uma maior sustentabilidade. E, na verdade, se todos adotássemos comportamentos ecológicos sem que houvesse uma mudança estrutural do sistema económico e social, o mais certo seria prejudicarmos sobretudo aqueles que se encontram nas periferias mais vulneráveis da nossa sociedade e do nosso planeta. Aqueles que, já hoje, estão mais expostos aos problemas das alterações climáticas e da chamada «cultura do descarte».
Se nenhum dos paradigmas vale sozinho como solução, que tal uma combinação das duas? É, sobretudo aí, que os problemas e contradições aparecem, escondidas e caladas, principalmente a nível político e comunitário. Porque, a meu ver, são tantas as incompatibilidades entre os dois paradigmas que, por enquanto, me parece impossível trilhar um caminho comum. O que significa que «combinarmos» os dois, no final, terá como resultado necessário a prevalência de um sobre o outro. Se calhar é isso que muitos de nós temos andado a fazer, cada um nas suas capelinhas. Algumas das razões das suas incompatibilidades: a eficiência nasce da quantidade, enquanto que a suficiência repele a quantidade; a técnica (e a tecnocracia) recusa a ética, enquanto que a ética (ainda) não tem técnica; ou se privilegia a liberdade de escolha e qualidade de vida como critérios últimos de atividade económica, ou se passa a medir em termos de… virtude(s) ecológica(s)(?); ou temos um sistema propulsionado pela busca do interesse próprio e por isso necessariamente individualista (mesmo que limitado por uma regulação apertada), ou então devemos descobrir outro incentivo capaz de organizar a atividade humana e adequado a fundar um sistema económico paralelo ao atual; ou se fomenta o crescimento económico e o consumo, ou se cultiva a suficiência, e nesse caso é necessário mudar os fundamentos das nossas sociedades.
Precisamos do melhor dos dois paradigmas, mas não podemos ter os dois ao mesmo tempo. Não nos basta a eficiência ou a suficiência. Valha-nos a infinita criatividade humana.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.