Joana não se sentia nada preparada para a Missão que lhe foi confiada, mas não tinha escolha. Ou agarrava a oportunidade, ou todos os seus planos de carreira iriam por água abaixo. Agarrou. E rezou. Reconheceu os seus Dons, a sua identidade e, sobretudo, as suas fraquezas. Passados alguns meses, muitos lhe dizem: “foste feita para isto!” E ela sorri para dentro. Ou melhor: sorri divertida, sabendo que Deus ri juntamente com ela.
Estás com medo? Vai com medo!
Não interessa muito perceber exatamente o que estava a ser pedido à Joana. O ponto aqui é que ela não se sentia preparada nem capaz de vencer o desafio. Preparava-se para tomar conta de uma tarefa desafiante que estava a chegar à empresa mas, um dia, sem que esperasse minimamente, o seu diretor aproximou-se da sua secretária e disse: “Joana, preciso que fiques com o projeto X.” Os dois ou três segundos de silêncio que se seguiram pareceram-lhe uma eternidade. “Mas isso já começou!”, respondeu com uma voz quase trémula. “Sim, mas a equipa sofreu baixas, eles não conseguem assegurar o prazo e preciso que tomes conta da situação. Já falamos, tenho gente à espera, não te vás embora.”
O inesperado daquele anúncio provocou uma tempestade na cabeça de Joana. Durante meia hora, pensou em mil coisas que podiam correr mal e tentou encontrar pontos, estratégias ou caminhos para contornar cada problema que via. Do prazo (obviamente apertado) à equipa com que ia colaborar, nada lhe parecia possível. Mas era uma grande oportunidade e Joana não ia deixá-la escapar. Lembrou-se de uma frase que, anos antes, a tinha feito rir: “Estás com medo? Vai com medo!” Respirou fundo, juntou as mãos e dirigiu-se a Deus dizendo “tens de fazer isto comigo”.
Deus faz tudo certo
Joana chegou a casa mais tarde do que o costume e extremamente cansada. Ao aterrar no sofá deu graças a Deus por ter sido o marido a levar os filhos à natação, por ter sido o dia em que a empregada cozinhava e por poder estar sozinha e deixar correr as lágrimas que a ajudariam a libertar algum daquele stress. Fechou os olhos tomando consciência de tudo o que estava a correr bem no meio daquela tempestade. Disse para si mesma que Deus estava ali, que Deus estava a ver tudo e que, como sempre, Ele a tinha ouvido quando lhe pediu um desafio profissional. “Ó Senhor! Eu à espera de uma oportunidade destas há tanto tempo, a preparar-me para um projeto maior há meses e, de repente, pões-me no colo uma coisa em que eu nunca tinha pensado e que nunca fiz nada parecido! Mas eu sei que fazes tudo certo, eu sei”. E continuou de olhos fechados, tentando escutar alguma orientação.
Nem me digam nada!
Joana deixou-se ficar no sofá mesmo quando ouviu a família a chegar. “Então?” perguntou o marido. “Cansada?” “Nem sabes o que me veio parar às mãos hoje!” “Aquele projeto?” “Não! É outro, um maior, que eu nunca pensei pegar!” O marido deu-lhe um beijo, os parabéns, chamou os filhos, festejou a novidade. Estava muito orgulhoso, embora percebesse que o desafio estava acima das expectativas e da experiência de Joana. Ela só se ria. “Nem me digam nada, vai ser um turbilhão!” E a rotina da família seguiu o seu rumo, com as conversas sobre o dia ao jantar, as combinações da semana, algumas risotas, duas ou três picardias entre os irmãos, etc. etc. Deitados os miúdos, Joana olhou para o sofá e o marido disse: “Se te sentas aí já não te levantas”. E foram se deitar. “Já sabes que, se rezares, a coisa vai”, disse-lhe ele antes de apagar a luz. Mas o sono chamava e ela já não ouviu.
Trabalhar em oração
Joana dava graças por quase tudo. À medida que rezava tomava consciência que o mérito de tudo o que conquistava era sobretudo de Deus. “Limito-me a ouvi-lO”, dizia. E era esta consciência que lhe ensinava que não tinha nada a temer, por mais que o desafio fosse difícil.
Passou muitos dias de turbulência, a inteirar-se do projeto, a gerir a equipa, a criar estratégias e a tomar decisões. Por vezes, rezar era apenas um deitar as mãos ao céu, não havia tempo nem vagar para mais. Joana sabia que a oração e a relação com Deus não eram nada que se parecesse com magia, sabia que tinha a sua parte a fazer. Na direção espiritual reforçava a sua confiança na oração e o sacerdote não a deixou esquecer que aquele projeto, por mais que determinasse o seu futuro na empresa, não valia a sua vida e, muito menos, a sua alma. Ou era tudo para a maior glória de Deus, ou tudo seria vão. Foram meses de stress, que por vezes levava para casa. Custaram-lhe algumas zangas com os que mais amava, mas tinha um lar bem construído, um casamento que ambos iam tornando à prova de bala e tudo ia sendo perdoado, regenerado e pacificado. O mais valioso de tudo o que aconteceu foram as descobertas que Joana fez de si própria.
O que faço com os meus Dons?
Joana era uma mulher inteligente, trabalhadora e com uma fé praticamente inabalável no amor de Deus. Era culta, criativa e iluminava qualquer ambiente. No entanto, até àquela fase da sua vida, nunca tinha pensada verdadeiramente sobre o que Deus queria quando lhe deu aquelas características. “Sabes? Acho que até agora vivi um bocado encostada a alguns dos meus Dons”, contava ao marido. “E agora?” perguntou ele. “Não sei explicar, é como se eu me tivesse aproveitado deles – e por conseguinte de Deus — em vez de os aproveitar a eles, percebes? Tenho de pensar nisto muito bem, agora que o projeto está no fim.” “Tem calma, que o fim às vezes é o mais demorado”, alertou o marido, também executivo numa grande empresa. Joana suspirou. Queria trabalhar os Dons, conhecê-los melhor, perceber que Joana havia Deus criado, afinal. “Realmente, Senhor, fazes-me sempre surpresas e eu não me habituo a isso”, rezava no dia seguinte. “Deste-me estes Dons para eu fazer parte de um tecido empresarial? Para eu os fazer render em casa? Junto dos pobres? E aquele sonho que eu tinha em miúda, de ser professora, o que é que tem que ver com isto?”
Sempre, sempre em busca
O projeto que Joana foi chamada a liderar terminou com resultados um pouco abaixo do esperado o que, para ela, não foi fácil de aceitar. Entregara-se totalmente — por vezes com prejuízo da vida pessoal —, procurou formação numa das áreas que dominava menos e resolveu alguns episódios muito complicados na gestão da equipa. “Ai, as pessoas…” comentou uma vez. Demorou algum tempo a superar a avaliação final do projeto. Pareceu-lhe injusta e não teve hipótese de mudar nem uma vírgula no parecer do seu diretor. Acabou por aceitar e encarou a compreensão dos Dons como o seu novo e mais importante desafio. Descobriu quem era, descobriu-se muito amada por Deus, pela sua família e até por quem não demonstrava assim tanto gosto por si. Sem perceber, rezar tornou-se cada vez mais natural. Conhecia-se melhor e isso fez com que se sentisse realmente segura. “Venham mais tarefas difíceis, cá estarei!” Foi assim que terminou a oração daquele dia. E estava longe de imaginar que, na manhã seguinte, a promoção que pensara ter perdido lhe ia ser dada. Confiava apenas, buscava sempre o que Deus lhe queria dizer e seguia as orientações que lhe chegavam do Céu.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.