Não gosto, logo não existes!
Os gostos ou não gostos instantâneos são o que são. Fazem parte da vida. Por um lado, podem ser informação importante para processar. Podem ser fruto de vínculos pessoais e de uma história. Sinal de apoio, amizade e aliança. Gosta-se porque se quer apoiar aquela foto, vídeo, ou mensagem que a pessoa revelou. Gosta-se porque se quer dizer “que bom, belo jantar que cozinhaste”; ou “obrigado por partilhares esta receita”; “estou contigo nesta alegria…ou tristeza…ou luta!”. Gostar assim é um modo de dizer “existes”. O “logo não existes” do título desta secção pode ser um exagero, mas nem sempre o é.
Há um outro lado de gostos instantâneos que nem sempre dão existência aos outros. Quero sublinhar a partir de agora este lado mais volátil dos gostos ou não gostos instantâneos, cuja tendência é apressar conclusões e comentários sobre as pessoas; e não dar o beneficio da dúvida. Não dar tempo! Se tomarmos a sério, sem pessimismos, com realismo, a tendência presente de fragmentação da vida, certa perda de visão de conjunto, e o imediatismo, percebemos que há gostos instantâneos que geram reações, decisões e ações fechadas, sem grande futuro.
Dou alguns exemplos da volatilidade de gostos, ou não gosto, instantâneos e apressados: Se gosto, gosto. Quando não gosto, não gosto. Quando não gosto, então o outro tem algo de mal e é fácil culpar ou excluir uma nova pessoa, ou uma ideia nova, na minha vida; ou facilmente removo um novo projeto do horizonte, sem pensar muito. Torna-se difícil dialogar e aceitar outras opiniões, ideias e pessoas.
Se gosto, decido rápido. Se não gosto, também. Decisões tomadas desde um gosto ou não gosto mais ou menos instantâneo e superficial, sem tempo, são facilmente compulsivas, aparentemente fáceis, polarizadas.
Se gosto é porque é fácil, ou uma sorte; e se não gosto é porque é difícil, ou um azar. Corro talvez o risco de fugir do difícil, porque não gosto, para viver só o mais fácil.
Se não gosto, não é verdade. Se gosto é verdade. Isto é, quando algo muda, e se não gosto como gostava antes, já não é verdadeiro. Não acredito na memória. Não acredito nos desejos de futuro. Não crio raízes.
Se me parece que uma pessoa não tem gosto – isto pode acontecer especialmente em certos circuitos sociais, com certas personalidades e comunidades- então não pode fazer parte. É talvez melhor ignorar e descartar essa pessoa do circuito ou, pelo menos, de certos trabalhos. Não há gradualidade nem crescimento pessoal.
Se não gosto de Deus é porque Deus é um tirano e anda sempre a bisbilhotar, à caça do que faço mal.
Dou alguns exemplos da volatilidade de gostos, ou não gosto, instantâneos e apressados: Se gosto, gosto. Quando não gosto, não gosto. Quando não gosto, então o outro tem algo de mal e é fácil culpar ou excluir uma nova pessoa, ou uma ideia nova, na minha vida; ou facilmente removo um novo projeto do horizonte, sem pensar muito. Torna-se difícil dialogar e aceitar outras opiniões, ideias e pessoas.
A medida de todas as coisas
A questão chave que quero trazer desde os exemplos descritos acima é esta: se os gostos ou não gostos instantâneos, apressados e sem história, são a medida de todas as coisas, podemos perder a força dos vínculos, das relações e da história que já existe com outros, connosco próprios, e com Deus. Não será a história de uma relação e o vínculo pessoal o que nos faz mais livres, mais nós próprios? Não nos levarão mais longe as relações e o tempo que lhes damos?
Inclusive, com Deus, se temos para nós que o que é próprio de Deus é andar a perseguir pecadores, então Deus torna-se ameaçador. Gera medo e ódio. Crianças e adultos vivem a suspeitar de Deus, dos outros e do mundo. Vivem com mais medo dos vícios que amando com bondade e integridade; vivem a temer o mal mais que a amar o bem.
Voltando a outro exemplo acima, se só gosto do que é fácil e não gosto do que é difícil, então gostos (likes e dislikes) instantâneos e voláteis podem gerar uma fuga do difícil para viver só o mais fácil. Isto é viver a vida a metade. E é pena! A vida tem muito para dar tanto nos momentos fáceis como nos difíceis. Mais, Deus está presente em todos os momentos. Pode não ser fácil, normalmente não o é! Não teremos já experiências suficientes para saber que a vida não é uma questão de sorte ou de azar, mas é um desafio de encontrar sentido no que nos acontece? Um desafio de tentar decidir como estou, ou posso estar, em cada momento, com Deus?
“Dar um like!”
Os gostos na vida variam de pessoas para pessoas. Há gostos distintos porque cada pessoa tem esquemas ou estruturas distintas que a ajudam a dar sentido ao que vive. Estes esquemas começam quando nascemos e são aprendidos pelos padrões relacionais que vamos tendo com os outros, com Deus, e connosco próprios. Dito de outro modo, o conjunto sucessivo de experiências ao longo da vida com pessoas significativas e com Deus vai organizando as nossas relações e os nossos gostos. Reagimos a novas situações, lidamos com pessoas e circunstâncias da vida, e embelezamos as experiências pessoais desde esquemas que fomos forjando durante a vida.
Um exemplo básico das consequências das nossas estruturas são os likes instantâneos do nosso dedo a pressionar o telemóvel. Mas não é só nos écrans que fazemos estes likes. Para entender melhor tudo o que está escrito acima, estes gostos (likes), e não gosto (dislikes), são fruto da assimilação de novas pessoas, valores ou situações em padrões desenvolvidos precocemente na vida (situações, relações e pessoas do passado). Contudo, não estamos ‘condenados’ por estas estruturas.
Aprender a gostar
“Não é muito saber que farta e satisfaz a alma, mas o sentir e gostar as coisas internamente” (Exercícios Espirituais (EE) [2])
Santo Inácio de Loiola valoriza o gosto e a experiência corporal e espiritual associada ao gostar. É um tema interessantíssimo, e uma experiência de Exercícios Espirituais (EEs) incrível, que aqui não tenho espaço para desenvolver. Interessa dizer que Inácio se refere, nos EEs, a “sentir e gostar internamente” a presença de Deus. É uma perceção de gozo da presença consciente e íntima de Deus. Refere-se a um vínculo com Deus dentro da consciência pessoal, “um reino interior” onde Deus age e nos transforma desde o interior. Onde aprendemos a ‘vencer o próprio gosto para poder alcançar as coisas de Deus’ mais livremente. Gostar ou saborear a presença de Deus é provavelmente a finalidade máxima do caminho espiritual. É neste gostar que nos sabemos filhos e filhas de Deus, conscientes de que nunca estamos sozinhos pois pertencemos a Deus. Conscientes de que Deus tem um sonho para cada pessoa e conta connosco.
Gostar ou saborear a presença de Deus é provavelmente a finalidade máxima do caminho espiritual. É neste gostar que nos sabemos filhos e filhas de Deus, conscientes de que nunca estamos sozinhos pois pertencemos a Deus. Conscientes de que Deus tem um sonho para cada pessoa e conta connosco.
Se nos permitimos permanecer o tempo suficiente na nova situação, de modo a experimentar as novas pessoas, valores ou circunstâncias de um modo diferente daquele que estamos habituados, então aprendemos a diferenciar as novas pessoas e situações de pessoas e experiências anteriores. Atenção! Não se trata simplesmente de mudar de valores ou de personalidade. Trata-se de aprender a dialogar com o nosso interior e exterior. Não quer dizer que as relações vão sempre correr bem e vai haver tranquilidade e paz. Trata-se de dar tempo para que as novas pessoas ou circunstâncias nos ensinem que são diferentes daquilo que esperávamos. Às vezes demora. Às vezes não temos tempo! Às vezes é quando menos esperamos!
Na relação com Deus, temos igualmente esquemas cujos padrões relacionais se começam a desenvolver precocemente na vida e que orientam o modo como nos aproximamos de Deus, inclusive nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loiola. Tal como com qualquer pessoa, se queremos desenvolver uma relação saudável com Deus, é bom deixar que Deus nos ensine novos padrões de relação com Deus. É no fundo para isto que entramos nos Exercícios Espirituais.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.