No passado dia 6 de Agosto, o Papa concedeu uma entrevista, que veio a ser publicada três dias depois no Vatican insider e no La stampa. Diante do vincar de opiniões que parecem cada vez mais polarizadas e extremadas, Francisco, à imagem de um verdadeiro pontífice, manifesta uma posição equilibrada diante dos problemas urgentes que temos pela frente.
Começando por abordar o atual estado da União Europeia, Francisco alimenta a esperança no regresso aos “pais fundadores” do projeto europeu. Refere-se, muito provavelmente, a alguém como Robert Schuman, cuja fé estimulou o seu empenho pela construção de uma unidade entre os diversos Estados que constituem a Europa. Nascido no pequeno ducado do Luxemburgo, Schuman compreendeu bem o significado da sua religião: se “católico” significa “universal”, então os nacionalismos extremados devem ser combatidos. Ao longo da entrevista, o Papa manifesta-se “preocupado” com um tipo de discurso nacionalista, cada vez mais presente no espaço público hodierno; um discurso que nos leva a recordar ideologias passadas, próprias do período que antecedeu a segunda grande guerra mundial. Para Francisco, o nacionalismo que exclui e isola representa uma ameaça ao futuro. Por isso, sendo um bem legítimo, a soberania de um país não deve implicar que o mesmo se feche em si mesmo, isolando-se do resto do mundo.
Tanto a crise migratória, como a crise ambiental que enfrentamos, nunca poderão ser resolvidas por iniciativas isoladas de algumas nações
Nesse sentido, parece-me interessante notar como o Papa, ao se referir às raízes cristãs da Europa, apela sobretudo à capacidade de acolher e de dialogar. Sugerindo, uma vez mais, a imagem do poliedro, em contraste com a da esfera, Francisco inspira a possibilidade de uma forma de globalização que não faça diluir as diferentes nações numa homogeneidade cultural: trata-se de uma globalização que seja capaz de preservar e de respeitar diferentes identidades numa unidade superior. É nesse sentido que, dirigindo-se a todos e não apenas aos cristãos, o Papa apela à capacidade de escuta, para que os diferentes interlocutores, em vez de se isolarem na sua própria identidade, possam, sem a perder, colaborar na resolução dos problemas concretos que hoje se impõem.
Creio que esta atitude é a mais apropriada no nosso contexto atual. De facto, tanto a crise migratória, como a crise ambiental que enfrentamos, nunca poderão ser resolvidas por iniciativas isoladas de algumas nações. A necessidade de uma concertação na resolução destes problemas urgentes impõe o caminho de uma globalização, ou seja, de uma união entre várias nações e diversos espectros políticos ou ideológicos.
Quanto à crise migratória, o Papa apela à “prudência” na tomada de decisões e na concertação de estratégias entre as várias nações. Por um lado, Francisco chama a atenção para a necessidade de se ajudar os países dos migrantes na construção da paz e na abolição da fome ao nível local, de forma a que tais nações venham a ser dignamente habitáveis. Por outro lado, e mais no curto prazo, o Sumo Pontífice evoca quatro verbos próprios dos gestos de Jesus: receber, acompanhar, promover e integrar os migrantes que se lançam ao mar em direção à Europa.
Em relação ao “Sínodo para a Amazónia”, que se realizará no próximo mês de outubro, Francisco parece desvalorizar a questão relativa à ordenação de homens casados na região amazónica: para o Papa, o tema principal do sínodo é o “cuidado com a criação”. O que se compreende, sobretudo hoje, quando assistimos aos incêndios devastadores que assolam esta região.
Perante a ameaça das alterações climáticas, o Papa declara que o Sínodo de outubro é “filho da Laudato si’”. Independentemente de a Amazónia ser ou não o pulmão da terra, independentemente da desflorestação não ter começado com o atual governo brasileiro, nem ser da sua exclusiva responsabilidade, proteger esta imensa floresta e os povos que nela habitam é da mais elementar justiça.
O Sínodo para a Amazónia, na esteira da encíclica Laudato si’, promove uma evangelização através da praxis cristã, uma praxis contrária à cultura materialista do desperdício, dos interesses económicos que confluem com a desflorestação da floresta e que põem em causa a nossa “casa comum”. A evangelização que o Papa Francisco promove funda-se, assim, na prática de um “novo estilo de vida” que, por um lado, contrasta com um certo individualismo contemporâneo e que, por outro, parece contribuir para a preservação do planeta (cf. Laudato si’ §16). É a partir desse “estilo de vida” que nós, cristãos, somos chamados a testemunhar o Evangelho, de forma a colaborar no esvanecer dos cenários apocalíticos que o mundo de hoje parece, por vezes, nos oferecer.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.