A demografia da generalidade das aldeias e vilas do território do interior português, numa faixa territorial que vai de Vinhais a São Brás de Alportel, vive uma tremenda depressão populacional, como resultado de baixíssimas taxas de natalidade e elevados índices de envelhecimento. Uma conjugação de variáveis que determina um futuro demográfico dramático, para o qual parece não existir qualquer pensamento ou política, por parte do estado.
A vida de um jovem que nasça no interior português não é fácil, particularmente para aqueles que tenham as suas raízes nas pequenas vilas e aldeias. Para muitos destes jovens, o acesso à educação marca o início de um percurso de vida que, mais cedo ou mais tarde, determinará uma, inevitável, saída da sua terra. O impulso de saída ocorre em momentos vitais que decorrem de transições escolares:
i) para alguns, será logo aquando do ingresso na educação pré-escolar, uma vez que esta rede não está disponível em todas as freguesias;
ii) para muitos, ocorre com a entrada no 1.º Ciclo do Ensino Básico, uma vez que milhares de antigas escolas primárias encerraram e foram concentradas em centros escolares, normalmente localizados nas maiores freguesias ou nas sedes de concelho. É aqui que ocorrerá a frequência de todo o ensino básico;
iii) para muitos mais, verifica-se no início do ensino secundário, ciclo de ensino integrante da escolaridade obrigatória e, a breve prazo, apenas disponível nas maiores vilas e cidades;
iv) para os que seguem para o ensino superior, a trajetória de mobilidade alarga-se e a saída, para a capital de distrito ou para os centros de maior dimensão localizados no litoral, é o caminho natural a seguir.
Quem vive nas vilas e aldeias do interior de menor dimensão confronta-se, hoje, com um quotidiano em que não se observa qualquer jovem nas ruas ou em qualquer outro espaço urbano. Frequentemente, os poucos jovens ali existentes saíram no autocarro das sete da manhã e regressam no do final do dia. Dia após dia, semana após semana, mês após mês, ano após ano. Desde os 4, 5 ou 6 anos de idade…
Esta mobilidade juvenil, aquando da concretização dos percursos de qualificação escolar promove, inevitável, crescente e irreversivelmente, um forte desligamento dos jovens para com a sua terra. Desligamento que é tanto maior quanto maior e mais bem-sucedido for o percurso de qualificação. O resultado é conhecido: é aqui que o interior começa a perder a sua população mais jovem, que será, no futuro, a mais qualificada, mais empreendedora e mais reprodutora.
Quem vive nas vilas e aldeias do interior de menor dimensão confronta-se, hoje, com um quotidiano em que não se observa qualquer jovem nas ruas ou em qualquer outro espaço urbano.
Terminado o percurso de qualificação inicial e iniciando-se o percurso profissional, frequentemente, concretiza-se a separação definitiva entre o jovem e a sua terra, uma vez que esta não lhe oferece uma oportunidade profissional coerente e compatível com a qualificação, entretanto, concretizada. Neste contexto, os jovens optam por se fixarem, definitivamente, em territórios com maior capacidade de aproveitar e valorizar as suas competências e, consequentemente, maior capacidade de os atrair, no início da sua atividade profissional.
É nestes territórios, com mais oportunidades e maior potencial disponível para as realizações pessoal e profissional, que vai acontecer tudo o que é vital para qualquer futuro: (i) a estruturação das novas famílias; (ii) a construção dos futuros corredores de realização pessoal e profissional; (iii) a dinamização da economia; (iv) o mais importante de tudo: o nascimento das/os novas/os portuguesas/es.
O interior português vive, neste contexto, um dos maiores e mais fatais paradoxos da sua história contemporânea: as famílias, as instituições e as comunidades investem, como nunca investiram, na qualificação da sua população mais jovem e esta realiza percursos de qualificação longos e diferenciados. O resultado deste notável investimento determina uma, precoce e inevitável, mobilidade juvenil e um, crescente e irreversível, desligamento entre os jovens e as suas terras. Tudo terminará com um resultado terrível: jovens muito qualificados que se desligaram das suas origens e se fixam em territórios mais povoados e com maior dinâmica económica e social. Sobra o interior despovoado, desqualificado e deprimido, económica e socialmente.
Estudar e sair é o destino incontornável dos que ambicionam exercer o seu direito à educação, no interior português, particularmente para os que aspiram a um trabalho compatível com a qualificação concretizada.
Sabemos que terá sido sempre assim. Mas nunca isto aconteceu com a moldura demográfica, económica e social que hoje existe. Sabemos, também, que é natural a mobilidade jovem, resultante da procura de qualificações crescentes e especializações profissionais cada vez mais diferenciadas e nem sempre disponíveis no território de origem. Esta dinâmica é natural e saudável, particularmente quando ocorre com múltiplas direções e sentidos. O problema surge quando as direções e os sentidos dessa mobilidade promovem a exclusão dos territórios do interior.
Neste entroncamento em que o desenvolvimento do interior se encontra, a equação qualificação-trabalho dos jovens necessita de reflexão crítica, soluções criativas, sólido compromisso político e rápida ação, por parte de todos os protagonistas com responsabilidades no presente e futuro do país: estado central e local, empresas e instituições da sociedade civil.
Se nada for feito, daqui a duas décadas, o problema estará resolvido, porque já não estará ninguém no interior…
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.