Não ter medo de arriscar

Sem risco, o pássaro bebé nunca poderá tentar o seu primeiro voo. Sem proteção, cairá do ninho. A solução encontra-se algures no equilíbrio entre estas duas posturas e pode ser descoberta através do princípio da subsidiariedade.

O que é o princípio da subsidiariedade? Em poucas palavras, é o princípio segundo o qual cada tarefa é confiada, em primeiro lugar, à mais pequena entidade capaz de a cumprir. É um dos princípios basilares da doutrina social da Igreja.

Identifico neste princípio duas características que o tornam particularmente capaz de contrariar alguns ventos que sopram nos nossos tempos. A primeira, é a de que é um princípio imune a extremismos, simplismos e imediatismos.

A aplicação deste princípio exige sempre um juízo que pode produzir um de dois resultados antagónicos: se se verificar que os corpos inferiores são capazes por si de executar a tarefa em apreço, deve-se defender a não intervenção do corpo superior (vertente negativa do princípio da subsidiariedade); caso contrário, conclui-se pelo dever de intervenção (vertente positiva). Não se defende uma ou outra postura como atitude-base.

O facto de o princípio da subsidiariedade exigir um juízo com resultado final variável afasta-o de visões maniqueístas, unidirecionais e alheias à realidade. Repudia conceções cegamente ideológicas, ou simplificações e generalizações preguiçosas. Apesar de carregar consigo um horizonte – o da subsidiariedade – não dissemina preconceitos à partida.

Para além de arma que difunde a ponderação – enquanto exercício, mas também como atitude – o princípio da subsidiariedade carrega consigo um outro valor, difícil de descrever, mas ainda mais precioso. Podemos chamar-lhe “promoção do bem eventual”. Vejamos o que significa.

O facto de o princípio da subsidiariedade exigir um juízo com resultado final variável afasta-o de visões maniqueístas, unidirecionais e alheias à realidade.

O maior obstáculo à prática da subsidiariedade é a aversão ao risco de que algo negativo aconteça. Por exemplo, é por não querer arriscar a saúde, a felicidade ou fazer perigar a autoestima dos seus filhos, que os pais adotam atitudes excessivamente protetoras. É por querer evitar o risco que os Estados Membros violem alguns direitos dos cidadãos europeus, que a União Europeia se sente tentada a violar o princípio da subsidiariedade, consagrado nos seus tratados. Ou ainda, o cenário em que o Estado retira competências às associações ou escolas para proteger as famílias ou crianças do risco de lhes infligirem algum mal.

Esta violação da subsidiariedade é movida pela melhor das intenções: a proteção dos corpos inferiores de riscos reais, que já se tenham verificado em casos semelhantes. Como resultado, promovem-se de políticas – em inúmeras esferas de diferente escala, da família às relações internacionais – que procuram ao máximo evitar o risco e promover a segurança.

Contudo, este tipo de políticas implicam sempre a destruição de um bem eventual. Não raras vezes, esse bem é quantitativa e qualitativamente insignificante quando comparado com a dimensão do potencial negativo do risco em apreço. Nesses casos, deve ser sacrificado. Mas e quando é o contrário que ocorre, será que conseguimos reconhecê-lo?

A grande dificuldade do nosso discurso contemporâneo, focado na experiência pessoal e na proteção do indivíduo, é que não tem capacidade para exprimir, avaliar e comparar o risco negativo com o bem eventual.

A grande dificuldade do nosso discurso contemporâneo, focado na experiência pessoal e na proteção do indivíduo, é que não tem capacidade para exprimir, avaliar e comparar o risco negativo com o bem eventual. Compreende-se esta dificuldade pois, enquanto que o risco negativo é real e reconhecido, o bem em questão encontra-se num campo virtual, numa esfera de “custo de oportunidade” eventual. E é difícil defendê-lo face aos riscos reais e negativos que verificamos diante dos nossos olhos.

Mas a verdade é que, cada vez que optamos indiscriminadamente pela eliminação do risco, podemos estar a eliminar algo muito mais precioso. E um discurso puramente focado em proteger o individuo de todo o risco, agressão e sofrimento, prescinde das ferramentas necessárias para ponderar e comparar. Perde a capacidade de sequer reconhecer a existência de bens virtuais, quanto mais compará-lo. E perde a capacidade de contrariar a sua própria tendência protecionista e avessa ao risco, que se autoalimenta.

Vejo o princípio da subsidiariedade como uma resposta equilibrada a esta tentação. Equilibrada pelo facto de ter duas faces. E sobretudo pelo facto da sua aplicação reconhecer o risco e o seu potencial destrutivo, mas não se abster de o contrabalançar com os bens eventuais e de os valorizar adequadamente.

Sem risco, o pássaro bebé nunca poderá tentar o seu primeiro voo. Sem proteção, cairá do ninho. A solução encontra-se algures no equilíbrio entre estas duas posturas e pode ser descoberta através do princípio da subsidiariedade. Também nós, enquanto sociedade, temos de procurar esse equilíbrio, para não cairmos do ninho, mas sobretudo para não vivermos uma vida inteira no chão, sem nunca sequer descobrir que fomos feitos para voar.

Fotografia de: James Wainscoat – Unsplash

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.