Todos os anos, vemos artigos e pequenos documentários televisivos sobre “Ensino Alternativo” por contraponto ao “Ensino Convencional”. Este nome cria um efeito curioso, um certo revirar de olhos. Creio ser fácil perceber porquê. A palavra escolhida está fortemente conotada com outra prática “alternativa”: a medicina alternativa.
Numa pesquisa rápida, podemos encontrar descrições para a medicina alternativa como sendo uma “qualquer prática que visa atingir os efeitos curativos da medicina, mas que carece de plausibilidade biológica, não foi testada, não é testável ou já foi provada a sua ineficácia”. Ou seja, geralmente placebos. Portanto, será o nome intencional? Serão as “novas” metodologias de educação apenas placebos para a iliteracia?
Esta é uma questão muito relevante para mim, que sou pai de três crianças, algumas a entrar na idade escolar. Estas metodologias, viradas para o ensino “ativo” pareciam mais atrativas para eles, mas questionava-me se estes “placebos” eram só uma nova forma “hippie” de que as crianças gostavam, mas sem que se obtivessem resultados claros.
Em linha com o artigo anterior sobre a aparente “guerra” da escola pública vs a escola privada, a minha formação em Engenharia compele-me a tentar não formar opiniões sem dados objetivos. Como pai, é importante informar-me para poder decidir, mas acredito também que é parte do meu dever cívico para me manter educado, num tema que é relevante para a sociedade. Como sempre, comecei pela base, a história. Qual a pergunta relevante? Quais foram os motivos pelo qual se começou a educação obrigatória e o que se pretendia atingir?
O primeiro exemplo de educação (primária) obrigatória surge, em 1763, com Frederico II – o Grande – (Rei da Prússia) que decreta o ensino primário obrigatório para algumas regiões. Esta decisão foi tomada porque na Guerra dos Sete Anos existia uma grande falta de oficiais letrados e foi assumido que esta medida era essencial para a melhoria do exército. Inspirados pelo exemplo, vários países seguiram a medida: Áustria (1774), Dinamarca (1789), França (1791), Inglaterra (1882) e o resto da Europa foi lentamente adotando. As motivações variavam, mas o objetivo era quase sempre “funcional”, isto é, procurava trazer apenas mais eficácia seja no exército ou nas primeiras fábricas.
Estas metodologias, viradas para o ensino “ativo” pareciam mais atrativas para eles, mas questionava-me se estes “placebos” eram só uma nova forma “hippie” de que as crianças gostavam, mas sem que se obtivessem resultados claros.
Porque é relevante este contexto? É simples: são as motivações que definem o conteúdo e a forma.
O ensino expositivo mostrou-se altamente eficaz a distribuir conhecimento para um grupo vasto iletrado que tinha pouco tempo para o absorver. Foi este modelo, que nasceu em 1763, que é, com poucas alterações, usado no ensino ainda hoje. Ao longo de 300 anos, este método obteve resultados significativos. Por isso, alguns defendem não fazer sentido questioná-lo.
Vamos então mergulhar em alguns dados sobre esta temática. Há diversas modalidades do chamado ensino alternativo: (Reggio Emilia, Playful Learning, Montessori, Guide discovery learning entre muitos outros). Neste artigo vou concentrar-me no que estas propostas têm em comum: uma metodologia ativa. A principal característica desta metodologia é a de levar o aluno/estudante a assumir-se como o principal responsável pela sua aprendizagem, comprometendo-se com o(s) seu(s) professor(es).
Começando por um artigo do Procedings of the National Academy of Sciences of the United States of America: “Large-scale comparison of science teaching methods sends clear message” é clara a mensagem que os resultados de aprendizagem em métodos de estudo ativo têm melhores resultados.
Os autores examinaram dois resultados:
- Percentagem de alunos que reprovaram na disciplina
- Desempenho nos testes
Conclusões:
A percentagem de reprovações em média desceu de 34% com os métodos “convencionais” para 22% com métodos ativos (ver figura A abaixo). Relativamente ao outro indicador, com testes semelhantes, os resultados voltaram a ser favoráveis aos métodos de ensino ativo por 0.47 (ver figura B abaixo). Os benefícios foram consistentes em todas as disciplinas de ciências, tecnologia, engenharia e matemática e através de várias metodologias ativas diferentes. É importante, no entanto, realçar que, como sempre na ciência, existem diversos estudos, com diferentes conclusões. Está longe de ser uma verdade unânime.
Parece-me haver alguma tendência nos artigos em ver as vantagens que pode trazer o ensino ativo. Onde parece estarmos ainda longe do consenso é em considerar que as vantagens são na aprendizagem ou na parte cognitiva. Fica a sugestão para o leitor explorar por si os vários artigos atuais sobre o tema. O meu objetivo mais do que “provar” o que quer que seja, é questionar e gerar interesse no tema para que haja mais opiniões informadas.
Retirado de: https://www.pnas.org/content/pnas/111/23/8319.full.pdf
Para podermos analisar melhor as consequências desta conclusão, vamos assumir como axioma que estes estudos vão ser validados a longo prazo. Isso implicaria concluir que somos mais “iluminados” do que os nossos antepassados? Não creio. Embora tenhamos mais dados ao nosso dispor para decidir melhor, parece-me que a maior mudança, na educação, em 300 anos é… o seu objetivo.
Hoje creio que ninguém discordará que pretendemos cidadãos literados política, económica e socialmente. É importante aumentar o pensamento crítico, diminuir a desigualdade e reduzir os preconceitos.
Relembrando o contexto, os países que começaram com ensino obrigatório pretendiam melhorar a capacidade do exército ou dos trabalhadores fabris. Há 300 anos, o sucesso na educação era a alfabetização que permitia que essas pessoas transmitissem e executassem ordens para trabalhos bem definidos e já idealizados. A massa de trabalhadores da época era “apenas” executora.
E hoje? Essa é ainda uma medida de sucesso? Parece-me que passou a ser apenas o mínimo indispensável. Hoje creio que ninguém discordará que pretendemos cidadãos literados política, económica e socialmente. É importante aumentar o pensamento crítico, diminuir a desigualdade e reduzir os preconceitos. Sendo o objetivo diferente, parece-me relevante rever o processo.
Mas não foi apenas o objetivo que mudou… As generalizações são perigosas, ainda assim arrisco-me a dizer que a atitude da família é também muito diferente agora. Em 1763 a educação familiar era (em toda a Europa, pelo menos) baseada sobretudo na obediência. Agora creio que essa é só uma parte. Pessoalmente, desejo que os meus filhos me questionem, tal como os questiono. Sem extremismos. Há espaço para a obediência: parar à beira da estrada quando mando porque vem um carro é um exemplo simples. Eles percebem pela minha voz que não é questionável. Mas questionar porque temos de olhar para os dois lados da estrada antes de a atravessar é uma questão que quero que façam, para melhor perceberem porque o fazem.
Desejo que cada um dos meus filhos venha a ser um adulto crítico capaz de formular um raciocínio lógico. Capazes de obedecer quando faz sentido e de questionar sempre que necessário, lutando contra a banalidade do mal a que se refere Hannah Arendt. Só assim cada um deles será um cidadão política e socialmente ativo. Para isso questiono-os e quero que me questionem.
Respondo-lhes às perguntas com novas perguntas, para que eles mesmos se questionem (“O Pai Natal existe? Não sei, o que achas?”). Respondo-lhes com respostas, científicas quando é o caso (explicar porque o céu ou o mar são azuis fizeram-me ir estudar antes de responder), adotando termos mais simples, mas sem os infantilizar. E uso os seus interesses para os levar a aprender coisas importantes (um jogo de cartas com pontos é uma bela maneira de fazer somas e subtrações de pontos). Tento ser criativo e espero que um dia o sejam a este nível.
Desejo que a escola faça o mesmo… portanto, para mim, a escolha parece-me clara.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.