E agora, o que fazemos com a Páscoa?

Precisamos de experimentar a Ressurreição porque o que não é experimentado não cria raízes.

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Há tantas estratégias para viver a Quaresma – itinerários, propostas de oração, serões, retiros, celebrações penitenciais e até aplicações – e de repente chegamos à Páscoa e celebre e anime-se cada um como puder! Desinstalamos as aplicações das propostas de oração, voltamos a comer à vontade, e se calhar até retomamos aquele hábito que suspendemos durante 40 dias. Ai que alívio, que eficiência! Como quando chegamos ao início de Janeiro e começamos a arrumar o presépio, as luzes e a árvore de Natal para seguirmos com as nossas vidas rumo à próxima temporada. Como se os tempos litúrgicos fossem exercícios de estilo, externos à nossa vida, uma espécie de representações em que entramos algumas vezes por ano.

Em Espanha, a Festa da Ressurreição juntou sessenta mil pessoas num concerto na cidade de Madrid para celebrar, nas palavras da organização, o facto de o Senhor ainda estar vivo. Que contraste entre este modo de celebrar e pensarmos na Páscoa como um marco no calendário ou participarmos nas celebrações ao domingo como se ainda fosse Quaresma e também nós precisássemos de ressuscitar!… Será que fazem falta planos pascais, propostas individuais e coletivas, concertos e playlists que nos ajudem a viver e a celebrar a alegria da Ressurreição?

No dia a seguir à Páscoa, estava inquieta e fui andar a pé com a pergunta: e agora o que é que eu faço com esta notícia de que Jesus Ressuscitou? O que é que mudou de ontem para hoje? Jesus não me apareceu e tudo isto parece ligeiramente distante… Pus a tocar a música do Héber Marques – Dia de Sol – criada para a Jornada Mundial da Juventude de Lisboa, e de repente dei por mim a experimentar a resposta. No que via ao longo do caminho, no que sentia em mim, na beleza que ia comendo através dos sentidos, nas cores, nos cheiros e nos sons da Primavera. Mas também nos movimentos interiores, nos pensamentos que me vieram à cabeça, na alegria que comecei a sentir! E percebi que talvez não precisemos de propostas na proporção das propostas Quaresmais, até para não cairmos na tentação de conter a Páscoa. A Páscoa não é para ser contida, é para ser experimentada!

A nossa vida de fé tem raiz na Páscoa. E quando ouvimos repetidamente que a Páscoa é o centro da nossa fé, a celebração mais importante do ano, podemos habituar-nos à teologia e esquecer a importância da experiência. Precisamos de experimentar a Ressurreição porque o que não é experimentado não cria raízes. Precisamos de a experimentar na nossa realidade e deixarmo-nos mover por ela. Depois da vigilância da Quaresma, precisamos agora de intenção para não nos deixarmos entrar em piloto automático. Ainda por cima logo agora que chegou a melhor parte: saber que Jesus venceu a morte e vive em nós!

Na sua Paixão, Morte e Ressurreição, Jesus deixa-nos uma herança vital: foi por ti, foi por amor, preciso de ti, envio-te e vou contigo. Esta herança não é estática ou um valor abstrato. Isto tem de nos afetar! Por isso, não é porque a Quaresma já lá vai que não importa o modo como vivemos. Se assim for, a Quaresma não terá servido de nada e estaremos a perder um momento favorável para crescermos na relação conosco, com os outros e com Deus. Estes cinquenta dias são assim uma oportunidade de revolução anual na nossa vida e de responder com a vida a perguntas essenciais: O que significa na minha vida viver a partir da Ressurreição do Senhor? Será viver com mais confiança, mais esperança, mais alegria?

Estes cinquenta dias são assim uma oportunidade de revolução anual na nossa vida e de responder com a vida a perguntas essenciais: O que significa na minha vida viver a partir da Ressurreição do Senhor? Será viver com mais confiança, mais esperança, mais alegria?

No dia a seguir à Páscoa, na manhã do meu passeio, parecia que a Ressurreição de Jesus não tinha mudado nada na minha vida. Mas algo estava diferente. Em mim e à minha volta. Mas para percebê-lo tive de me fazer ao caminho. Como um dia de sol só se sente se sairmos de casa, a Páscoa só se experimenta e reconhece se sairmos de nós, se a partilharmos. Senão dificilmente veremos algo de novo. Para isso, precisamos de um olhar atento que nos permita descobrir a presença do Ressuscitado nos acontecimentos do dia-a-dia e de ler a cada dia por onde andámos com o Senhor. Que movimentos noto em mim que falam de vida nova? A Páscoa pode revelar-se num modo de ser e fazer que nos surpreende até a nós próprios!

A Páscoa pede uma resposta de cada um. Não se trata de fazermos algo radical para merecer que o Filho de Deus tenha morrido por nós, mas sim de viver a partir do que nos foi dado e do nosso próprio encontro com o Ressuscitado. Como fizeram os discípulos, cada um na sua realidade e ao seu ritmo. Não é por nosso mérito, mas somos chamados a tomar parte.  E por isso Jesus no Pentecostes não dirá: então agora sejam muito felizes e aproveitem a vida! Jesus envia-nos a anunciar a Boa Nova. Como posso celebrar e partilhar a alegria de saber que Jesus Ressuscitou?

Hoje é um dia de sol porque é Páscoa! A Páscoa é hoje. Sim, também foi ontem e também será amanhã. Nesse sentido, os tempos litúrgicos, como estratégia, são de uma grande sabedoria pois pela repetição podemos crescer neste Mistério de Amor. Como seria se não tivéssemos essas oportunidades anuais para nos sintonizarmos com a verdade da nossa fé e com a história da Salvação?  Mas a Páscoa não é um exercício de memória. Realiza-se hoje e precisa de nós para a atualizarmos. Precisa da minha e da tua, da nossa roupa de festa. É desafiante? É. Amanhã posso olhar a minha vida e não ver nem sentir Páscoa? Sim, posso. Vou ter medo, dúvidas, vou descentrar-me? Sim, vou. Mas a boa notícia é que podemos recomeçar todos os dias e não vamos sozinhos! Vamos uns com os outros, e sobretudo, Jesus vai conosco. E quando amar doer, porque sabemos que às vezes dói, poderemos tentar aprender de Jesus a sermos eucarísticos.

Hoje somos nós as testemunhas da sua Ressurreição e os nossos pés são precisos para anunciar e construir a alegria, a justiça e a paz. A nossa fé não é de desgosto ou euforia, mas de entrega e alegria. A Páscoa é uma inundação de Deus na nossa vida. E isso é absolutamente misterioso, revolucionário e frágil, tudo ao mesmo tempo. Somos filhos de um Deus que se fez pessoa e que nessa Encarnação nos ofereceu a chave da alegria: dar a vida por amor.  A Páscoa não é um exercício teórico ou uma bengala para o caminho. A Páscoa é o caminho. E a dinâmica da peregrinação é esta: vida, paixão, morte e ressurreição. A luz que salva ressuscitou, vive em nós e a cada dia espera-nos. E agora, o que é que fazemos com a Páscoa? Vamos lá para fora porque hoje é um dia, oh que dia, um dia de sol!

 

Letra da música “Dia de Sol” de Héber Marques:

Hoje é um dia de sol, põe a roupa de festa. Hoje é um dia de sol, a luz que salva te espera. Já vejo
ao longe, quem vem de longe, povo que canta, povo que dança. Descem as pontes, montes e vales,
trazem no peito a nova aliança. Hoje é um dia de sol, põe a roupa de festa. Hoje é um dia de sol, a
luz que salva te espera.
Nação eleita e Cristo a bandeira, prontos para a colheita, os pés que anunciam a justiça e a paz,
porque nele esperam, mesmo que sofram sabem que não é em vão, pois esperam naquele que era,
que é e que há-de vir.
Hoje é um dia de sol, põe a roupa de festa. Hoje é um dia de sol, a luz que salva te espera.
Hoje é um dia, oh que dia, um dia de sol! Hoje é um dia, mas que dia, um dia de sol!

 

Ouça aqui a música de Héber Marques criada especialmente para a JMJ

Recorde aqui a apresentação da música Dia de Sol no evento de acolhimento dos peregrinos da JMJ no Parque Eduardo VII.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.