Deus, religião e política nas eleições do Brasil em 2018

Que “deus” foi invocado durante a campanha? Esta pergunta é importante. Certamente não o Deus de Jesus Cristo, que se coloca do lado dos mais frágeis e não promove nenhum tipo de violência ao ser humano.

O povo brasileiro acaba de eleger um dos homens mais controvertidos para a presidência da república: Jair Bolsonaro, candidato que defendeu explicitamente um dos maiores torturadores do regime militar de 64 (Coronel Brilhante Ustra), com propósitos extremamente violentos contra as populações LGBT, uma visão retrógrada sobre a mulher, sem contar o projeto econômico e político, claramente contrário a interesses nacionais, na contramão dos acordos de Paris, no tocante ao meio ambiente. E o mais paradoxal, ele foi eleito com apoio massivo de católicos e evangélicos. Como entender o resultado dessas eleições e qual o papel da religião na política num estado que se diz laico?

A resposta a essas perguntas não é simples e necessitará ainda de muitas análises. Apresento aqui apenas algumas considerações sobre o uso da religião e de Deus pela campanha política vitoriosa. Começo recordando a sessão na Câmara dos Deputados e do Senado que, em 2016, votou o Impeachment de Dilma Rousseff. Em quase todas as falas, o nome de Deus era invocado, em geral associado a “família” e “pátria”, tanto na boca de parlamentares católicos quanto na de evangélicos. Na Assembleia Nacional esses últimos constituem a “bancada evangélica”, também conhecida no Brasil como “bancada da Bíblia”, que, em 2017, contava com 178 integrantes. Dentre os eleitores evangélicos, 59% declararam voto em Bolsonaro no segundo turno, enquanto entre os católicos eles foram 47%. O slogan da campanha vitoriosa era “o Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Como um candidato que tem propósitos claramente contrários ao que prega a maioria das Igrejas cristãs logrou receber um apoio tão massivo de seus fiéis? Até que ponto a religião pode influenciar e determinar os destinos políticos de uma nação laica?

Como um candidato que tem propósitos claramente contrários ao que prega a maioria das Igrejas cristãs logrou receber um apoio tão massivo de seus fiéis? Até que ponto a religião pode influenciar e determinar os destinos políticos de uma nação laica?

Dentre as razões para entender o apoio de tantos fiéis de confissão evangélica ao presidente eleito, se destacam as de tipo moral, mescladas com as de tipo religioso. As questões morais dizem respeito a mudanças nos comportamentos ocorridas nas últimas décadas, com o crescimento do movimento LGBT, do feminismo, as discussões sobre gênero e os novos formatos familiares, como os homoafetivos. Outro argumento invocado era o de que o candidato vitorioso era “ficha limpa”, sem nenhum envolvimento nos casos de corrupção, sobre os quais a imprensa nacional tanto insistiu nos últimos anos. Pastores e lideranças de grupos evangélicos importantes, como Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, e Silas Malafaia, da Igreja Vitória em Cristo, e muitos outros, deram apoio explícito ao candidato, antes e depois da eleição, com orações e bênçãos. Associaram a candidatura de Fernando Haddad ao “kit gay”, à dissolução da família, à liberação do aborto, ao limite do direito de crença e liberdade religiosa. As questões morais eram associadas a elementos religiosos, de origem cristã.

Dentre as razões para entender o apoio de tantos fiéis de confissão evangélica ao presidente eleito, se destacam as de tipo moral, mescladas com as de tipo religioso

No mundo católico é importante assinalar a influência de Olavo de Carvalho, escritor que se autoproclama filósofo e se declara católico. Radicado nos Estados Unidos e feroz crítico do marxismo, ele forma há anos a nova geração de direita no Brasil, através de cursos ministrados pela internet. É dele um dos livros de cabeceira do novo presidente eleito. É dele também muitas das palavras de ordem e dos gestos de Bolsonaro e seus eleitores. Vários grupos católicos, de perfil espiritualista, como os ligados à Renovação Carismática Católica, através da TV Canção Nova, e outros, de perfil tradicionalista, ligados ao Padre Paulo Ricardo, a vários blogueiros “católicos”, dentre os quais Bernardo Küster, investiram de modo organizado nas mídias sociais nos últimos anos, tornando-se os principais divulgadores de uma “identidade católica” de tipo conservador, crítico da teologia da libertação, do Papa Francisco e da Conferência dos Bispos do Brasil. Eles retomam muitos dos argumentos moralistas dos evangélicos e associaram o candidato da esquerda ao comunismo, condenado, segundo eles, pelo Papa Pio XII, em 1949, que teria excomungado também os que apoiassem o marxismo..

Que “deus” foi invocado durante a campanha? Esta pergunta é importante. Certamente não o Deus de Jesus Cristo, que se coloca do lado dos mais frágeis e não promove nenhum tipo de violência ao ser humano, nem é movido pelo “sucesso” das “teologias da prosperidade”, que motivaram o voto de muitos que votaram no presidente.

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* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.